Sua sombra já agiu assim?
Era um dia normal e ensolarado na minha pequena cidade, localizada no meio de lugar nenhum, quando reparei pela primeira vez que minha sombra não estava repetindo meus movimentos, como as sombras sempre fazem. No começo era pequena coisas — enquanto eu caminhava, moveria minha mão para a direita, mas a sombra da minha mão esquerda faria o mesmo. Eu inclinaria minha cabeça para a esquerda e minha sombra, para direita. Eu acenaria para alguém com a mão, e minha sombra permaneceria parada.
Uma vez, eu estava almoçando na escola com meus amigos, e
minha sombra fez algo que nunca tinha feito antes — se levantou e saiu, me
deixando sem sombra. Não estava colada ao chão mais, havia se levantado e
andava entre as pessoas no refeitório como uma figura fantasmagórica de outro
mundo. Depois de alguns segundos, se virou e acenou para mim. A encarei
incrédula.
"Você está bem, Mia?", Carrie perguntou, já que
obviamente me percebeu encarando pálida alguma coisa.
Eu acho que a sombra estava me chamando. Eu precisava ir.
"Sim, tudo bem. Preciso ir, tchau", respondi
hostil e corri atrás da sombra, que havia voltado a se mover. Ouvi meus amigos
murmurando confusos sobre mim, imaginando o porquê de eu ter saído tão
subitamente, sem sequer terminar meu almoço.
Minha sombra me levou para o jardim dos fundos da escola,
deserto no horário de almoço. Eu me sentei e abri um livro. A sombra se colou ao chão novamente. Senti que ela estava feliz por estarmos sozinhas.
Tive a sensação de que deveria ficar ali o resto do dia, faltar ao resto das
aulas e então ir para casa — e assim o fiz.
O dia seguinte foi quando a ouvi sussurrar pela primeira
vez. Eu estava caminhando para a entrada da escola quando vi meus amigos tentando
chamar minha atenção animadamente. "Mia! Aqui! Onde você esteve?",
eles estavam gritando e pulando de um lado para o outro.
Eu tive a real sensação física de que minha sombra estava me
empurrando para longe deles. Então eu ouvi: eles não gostam de você. Eles acham
que você é um fracasso. Não são seus amigos de verdade.
Eu acreditei. Precisava acreditar. Apesar de tudo, era minha
sombra. Eu não queria deixá-la irritada. Acreditava mais nela do que em meus
amigos.
Rapidamente me virei e mudei de direção, deixando eles
encarando minhas costas levemente espantados.
Fez certo, eles estão melhores sem você. Se você
desaparecesse da vida deles e os deixasse livres da obrigação de suportar e
ficar perto de você, eles seriam muito mais felizes...
Faz sentido, eu pensei. Me lembrei de todas as vezes em que
eu simplesmente choraminguei sobre minha vida, reclamei dos meus pais, falei
sobre o quão infeliz eu era na escola, como queria fazer algo totalmente
diferente com a minha vida do que estavam me obrigando a fazer... Fez todo
sentido. Como eu devo ser insuportável; cuzona. Ninguém merecia ouvir toda
aquela merda patética.
Carrie estava me ligando. Eu ignorei. Eles estão se sentindo
obrigados... Sentem pena de você... Estão se culpando de forma egoísta.
Coloquei música para tocar e continuei a leitura do livro,
jogada na minha cama.
Boa garota.
Faltei à escola no dia seguinte. Tive que sair de casa para
meus pais não desconfiarem, então fui até o parque com meu livro.
Carrie tentou me ligar algumas vezes e mandou "o q ta
acontecendo com vc? estamos preocupados e um pouco ofendidos p falar a
vdd" mas ignorei tudo.
Me sentei em um banco e abri meu livro, minha sombra
calmamente descansava no chão à minha frente. Depois de uns cinco minutos, um
cara mais ou menos da minha idade se aproximou e perguntou se eu tinha algum
cigarro sobrando.
Minha sombra despertou de sua soneca e se levantou, olhando
para o estranho de maneira hostil. Era fácil perceber pelos seus movimentos
rígidos.
"N-não,
desculpe", falei e sugestivamente voltei meus olhos para o livro, espiando
minha sombra rapidamente apenas para vê-la
assentir em aprovação.
"Lindo dia, né?", o cara disse, sorrindo para mim quando
ergui os olhos até ele. "Uma garota amável como você está se sentindo bem,
lendo sozinha em um banco triste?", perguntou com o sorriso amigável.
Minha sombra estava agora perigosamente perto do estranho.
Segurava a sombra de uma faca, apontada para ele, enquanto olhava para mim.
Eu entendi a mensagem. Queria que ele se fosse ou então o
faria sofrer.
"Estou bem, obrigada", falei fria. "Você
sempre se aproxima das pessoas sem ser convidado?"
O sorriso dele se revirou. "Eu só estava sendo legal.
Mas parece que você não está pronta ainda.", falou e saiu.
Uma raiva inesperada se apoderou de mim e pela primeira vez
desejei poder conversa com minha sombra. Dá pra acreditar nesse cara? "Não
está pronta ainda." Pronta pra quê?
Tudo o que eu queria era ficar sozinha e onde quer que você
vá, têm pessoas demandando sua atenção para benefício próprio... Me dá isso,
conte me aquilo, seja meu amigo, seja meu amor. Tão egoísta. Você não precisa
de ninguém. Minha sombra assentiu tão violentamente em aprovação que sua cabeça
de sombra quase caiu.
Fechei meu livrou com um barulho alto e fui caminhar na
direção oposta, minha sombra dançado em torno da minha solidão.
Eventualmente meus amigos pararam de falar comigo e nos
tornamos estranhos por completo. Minha sombra faria o trabalho para me deixar o
mais longe possível, silenciosa, no meu próprio canto, sempre que eu aparecia
na escola. Minhas notas começaram a cair e meus pais estavam me enchendo como
sempre. Eles não sabiam o que dizer, nunca perguntaram se estava tudo bem ou se
eu estava sofrendo. Mas é tudo sua culpa, claro, a sombra sussurraria. Eles estão completamente certos. Você é um desperdício de espaço. Não deveria ter nascido.
Além disso, a sombra começou a sussurrar que eu me sentiria
melhor e mais no controle do meu inútil ser se eu perdesse quanto peso fosse
possível, sua bolha gorda, ela soprava. Comecei a contar calorias e medir
porções. Minha cintura diminui, minhas bochechas afundaram e eu podia sentir
minhas próprias costelas apontando dolorosamente. Muito bem, fofucha. Mas você
tem mais trabalho a fazer. Mostre os ossos, seu esqueleto é a única parte de
você que vale alguma coisa.
Prosseguiu assim por um tempo, até que eventualmente acordei
uma manhã e minha sombra não estava deixando que me levantasse. Eu tentei, mas
era fisicamente impossível de me colocar pra fora da cama. Então repousei ali
até me atrasar para a escola e minha mãe invadir. Eu a convenci de que não
estava me sentindo bem.
"Isso é tudo. Nós vamos ao médico, agora", ela
anunciou. Olhei para ela, meus olhos vazios e meu corpo tremendo de fraqueza.
"É só um resfriado, mãe, nada pra se preocupar. Só
preciso ficar de cama", eu murmurei e fingi uma tosse dolorida.
"Resfriado? Besteira! Tenho assistido você perdendo peso já tem um
tempo, e por mais que eu esperasse que fosse uma fase de adolescente, uma coisa
temporária, eu não posso ficar parada te vendo assim mais. Vamos procurar
ajuda, você obviamente está passando por algo", ela desabafou de uma vez,
sua voz trêmula de preocupação.
A sombra repentinamente parou de exercer força sobre mim. Eu podia me mover. Mas ela tinha a sombra de faca
novamente, e dessa vez estava a apontando para mim.
Estava me ameaçando.
Eu pulei da cama de uma vez e comecei a implorar que minha
mãe reconsiderasse.
"Não, não, mãe, eu prometo, vou comer, vou pra
escola... Só não me faça ir ao médico, não precisa, estou bem. É só uma fase,
como você disse...", eu chorei.
Minha mãe olhou pra mim com um pingo de empatia e concordou
em me deixar de cama para descansar.
"Mas você vai voltar para a escola amanhã. Sem
desculpas. E vai ter boas refeições hoje que vou olhar você comendo."
Minha mãe ficou e casa aquele dia, assistindo todos os meus
passos. Comer era estranho — não vinha comendo mais que um ocasional pedaço de
queijo ou metade de uma maçã por um bom tempo.
Minha sombra estava casualmente segurando a faca para mim o
tempo todo agora. Quando terminei o café da manhã, ela a apontou para mim com a
ameaça de novo.
"Só vou no banheiro", falei à minha mãe.
Fui até lá e me certifiquei de que toda a comida estava fora
do meu corpo. Eu não deixaria as calorias tomarem conta de mim.
No dia seguinte minha mãe me levou até a escola e me
assistiu entrando lá. Ela havia marcado uma reunião com o conselheiro da
escola, a qual eu deveria comparecer de tarde. Eu, lógico, não pretendia ir.
Não se isso me fizesse correr o risco de ser machucada pela minha sombra. Ela
podia ler meus pensamentos também, então eu precisava tomar cuidado com o que
estava pensando o tempo todo.
Assim que o carro da minha mãe sumiu, eu fui até o jardim
dos fundos — meu usual canto solitário.
Exceto de que havia mais alguém lá. O cara chato que eu
havia visto no parque meses atrás.
Ele sorriu calorosamente para mim. "Hey", ele
disse.
Eu me apressei em dar meia volta e encontrar outro lugar,
ignorando totalmente o cumprimento dele.
Até que ele falou novamente.
"Posso ver sua sombra."
Eu simultaneamente paralisei e tentei voltar a respirar.
Minha sombra começou a me sufocar, me fazendo sentir a garganta fechar e meu
coração bater descompassado, quase explodindo pelo meu peito.
"Posso vê-la. Eu tinha uma também", ele falou
novamente.
Eu estava perto de desmaiar. Porém, consegui me virar
lentamente. Eu não via nada. Só olhei para ele como um rato assustado, meus
ossos frágeis chacoalhando em espanto.
"Eu sei que acredita no que ela te conta. Sei que faz o
que ela manda", ele continuou. "Mas não precisa fazer. É tudo
mentira. Não vai fazer nada com você".
Eu estava me sentindo doente, um monstruoso bolo de emoções
borbulhando pelo meu corpo, tentando escapar.
"Mas você vai. Se continuar a escutando. Posso ver que
ela tem uma faca, também. A minha tinha. Então a trocou por uma arma. Que se
tornou uma arma real."
O encarei como se ele fosse a única pessoa no planeta que
existia naquele momento em particular.
"Ela te alimenta com mentiras. Te dá ideias erradas. Te
fala para machucar a si mesma. Como fez comigo. Ela nunca me machucou. Eu,
sim."
Então ele levantou sua camiseta e eu vi uma grande cicatriz
vermelha do lado esquerdo do seu peito.
Ficamos lá em silêncio pelo que pareceu uma eternidade.
Minha respiração se acalmou e meu coração batia normal. Tudo estava se tornando
claro agora. Senti como se houvesse luz no fim do túnel.
"Posso te comprar um café? Ou talvez um pedaço de
bolo?", ele perguntou do nada. "Parece que você precisa de
bolo."
Comemos o bolo. Conversamos. Contei tudo a ele.
E a cada palavra, minha sombra se grudava ao chão,
centímetro por centímetro, até desaparecer. Não havia sol na cafeteria, claro.
Esse
conto foi traduzido exclusivamente para o site Creepypasta Brasil. Se
você vê-lo em outro site do gênero e sem créditos ou fonte, nos avise!
Obrigada! Se gostou, comente, só assim saberemos se vocês estão gostando
dos contos e/ou séries que estamos postando. A qualidade do nosso blog
depende muito da sua opinião!
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
A sombra soou como uma depressão durante toda a história, e eu esperava algo macabro e sombrio
ResponderExcluirSó que a história apresentou a saída de uma situação horrível para um final feliz. 15/10
Muito bom!
ResponderExcluirÓtima creepy! 1000/10
ResponderExcluirÓtima creepy! 1000/10
ResponderExcluirAdorei, ótima creepy
ResponderExcluirTa faltando o sperer ele sumiu
ResponderExcluirCara... Perfeita essa creepy, que já aconteceu comigo e com mts q conheço. Eu poderia copiar e compartilhar, pfv? Sei que ajudaria mt gnt
ResponderExcluirCadê o Sperer avaliando a Creepy
ResponderExcluirCreepy sensacional. A sombra serviu para representar a depressão... se afastar dos amigos, se julgar de forma negativa e etc..., são sinais de quem tem depressão. Quando o carinha citou que a sombra da arma se tornou uma arma real, seria uma referência ao suicidio? (Caso for, a sombra da arma seria uma referência a pensamentos suicidas). Essa creepy e criativa, além de ser sensacional ainda serve pra explicar a depressao...incrível. 10/10
ResponderExcluirA metáfora usada foi bem interessante, gostei, lembra até o filme(sério) do Porchat.
ExcluirIncrivelmente criativa, gostei!
ResponderExcluir10/10
ResponderExcluirA pessoinha misteriosa disse tudo
pessoal sentiu tua falta
ExcluirKkkk, eu estava ocupado com a minha rotina
Excluirsensacional!!!!!
ResponderExcluir<3
ResponderExcluirNossa... tem uma grande mensagem por trás de tida essa estória.
ResponderExcluircaramba q excepcional 22/10
ResponderExcluir#SetembroAmarelo Creepy muito boa, 9/10 pra mim. Meus parabéns!
ResponderExcluirSenti falta de um aviso de conteúdo, por tratar da anorexia e depressão com tanta naturalidade.
ResponderExcluirFora isso, bom conto.
entendi foi nada. minha mente tá um caco. não consigo imaginar nada que eu leio. não entra na minha cabeça. to no fundo do poço mesmo.
ResponderExcluirLukinhas, isso é a sua sombra te esmagando! Isso é o poder que ela está exercendo sobre você! Ela diz que é superior, que você não precisa de ninguém, que ninguém te quer, que seria melhor se tudo isso acabasse... Mas de uma coisa ela esquece! Ela é apenas uma sombra, algo que imita os SEUS movimentos, tanto que ela não pode fazer nada, sem que te copie! A sua sombra se diz forte, porém não existe sem você! Ela se diz perigosa, mas não é pior que seu próprio pensamento! Diga pra sua sombra que ela não manda em você, não tem poder sobre você e que ela obedece EXCLUSIVAMENTE VOCÊ! Não permita que ela vença, não permita que ela te destrua! Você é capaz de destruí-la e mostrar quem realmente está no controle! Ela se torna fraca quando VOCÊ se torna forte! Mostre para ela quem é que manda, mostre para ela quem é que vai vencer a cada dia que se passa, mostre para ela o SEU valor! Você é incrível do jeito que é! Se em algum momento ela te disse o contrário, mencionou que ninguém que te ama ou disse que você não faz falta... Sinto lhe dizer que quem é fraca é a sua sombra! Precisa ter forças para viver e se você está aqui até agora, significa que você é mais forte do que pensa! Não se esqueça, você consegue vencer essa parada! Posso parecer estar longe, mas estou mais perto do que você imagina! Quando a Luz reina, as sombras desaparecem! Eu venci, e tenho certeza ABSOLUTA que você consegue! Mostre pra ela quem é o vencedor! Vá até lá e mostre... O seu valor! Você nasceu para vencer! Estou torcendo e orando por você!
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir