23/01/2020

Ele passou dos limites dessa vez, ao tentar castigar os meus pais por não deixar nós dois juntos

Estava tão solitário e desejando uma companhia quando ele surgiu... Não sei o que viu na minha pessoa, mas pareceu gostar de mim. Ninguém mais se sentia à vontade próximo da minha figura, sentia que todos ficavam aborrecidos, e eu não conseguia fazer nenhum tipo de amigo. Então, um possível companheiro surgiu, bem diferente... isso não tem como deixar de lado, mas parecia ser legal. Sempre deixava um tempo para a gente brincar de alguma coisa que eu gostava, nos divertir e ficar até tarde da noite conversando sobre coisas que me interessavam.

Disse que nós poderíamos ficar juntos e seríamos mais do que amigos - em outras palavras, nós nos tornamos irmãos e teríamos os mesmos pais. No fundo, eu sabia que ele era maléfico, não tinha como não perceber, pois eu gostava de desenhar árvores e animais, e ele fazia o inverso disso, ao rabiscar homens enforcados com os corpos desmembrados, animais sofrendo e sendo torturados. Dava para perceber a excitação nos seus olhos quando ilustrava essas coisas e o quão assustador ficava as suas feições, dobrando os músculos do rosto em frenesi intensa... enquanto pressionava os lápis coloridos no papel com tanta força que, às vezes, chegava a rasgar.

Nós éramos tão diferentes... Como ele pode gostar de mim? Nós nos tornamos irmãos, mas os meus pais apenas notava um e, mesmo assim, eu sempre estava com ele nos meus pensamentos quando acordava, durante o dia e antes de dormir. Eu nunca tive um melhor amigo até o conhecer. Com ele, me sentia seguro e protegido. Tudo parecia que ficaria dessa forma, até que os meus progenitores perceberam a nossa amizade e começaram a interromper as coisas que nós fazíamos diariamente.

Percebia quando a mamãe chegava na porta do nosso quarto, enquanto nós estávamos conversando, e dizia para não falar com coisas que não existem. Permanecia em silêncio apenas observando a sua figura de adulta na porta com o rosto aborrecido, mas, o que realmente me incomodava, era o semblante do meu amigo: os seus olhos cheios de ódio e as suas mãos trincando no braço ao pressionar os seus dedos com tanta raiva... O silêncio gritante pairava no ar terrivelmente medonho quando a sua fisionomia transformava-se em um enigma de repulsa.

Nunca tive certeza se ele começou a ficar ainda mais cruel por conta da maneira dos nossos pais se comportarem ou, simplesmente, se se sentiu à vontade para tentar ser mais frio e manipulador do que já era há um tempo. Eu tentava ler histórias em quadrinhos, e ele dizia que tudo isso era mentira, que os homens são as piores coisas do mundo e que necessitava ser um monstro ainda pior do que eles. Quando pronunciava estas palavras, me causava um frio e um medo acima do que qualquer coisa que eu já experimentei; contudo, no seu rosto estava uma expressão gentil olhando para mim. Nesse momento, após expulsar barbaridades dos seus lábios, parecia amenizar o horror das suas palavras enquanto estava deitado ao meu lado.

A sua parte mais humana era quando estava dormindo. Eu sabia que, neste momento, ele não era um monstro, e eu ficava vislumbrando o seu corpo. Mesmo que eu não conseguisse dormir, por conta do gato que ficava todas as noites em cima de um muro fazendo barulhos. As coisas parecem que não ficaram por aí, pois, certa noite, ele acordou e perguntou por que eu sempre estava acordado, e eu disse sobre o felino... As minhas palavras se mostraram tão inocentes, que eu demorei para concluir que eu fiz a pior coisa do mundo. Apesar de não gostar daquele animal, eu não esperava que ele fosse vítima do meu irmão - o meu amigo.

Percebi que na noite seguinte o gato não estava fazendo barulhos estranhos próximo da janela. Quando perguntei sobre o felino, ele caçoou e disse que estava tudo bem. Eu fiquei preocupado com o animal e levantei durante a madrugada para encontrar, na casa vizinha, onde morava dois velhos, o animal crucificado. A imagem foi tão aterrorizante, que eu quase enlouqueci. Suas pequenas patas estavam presas e os seus pés juntos, com vários vermes comendo o animal. O bichano, com certeza, foi torturado até a morte. O seu corpo estava pintado com um líquido um pouco laranja-escuro e os seus pelos congelados. As larvas dançando naquela carnificina animal...

Eu não esperava que as coisas pudessem ficar piores, até que disse que não tinha graça desenhar coisas ruins, falar palavras assustadoras enquanto eu ficava apavorado, nem descrever coisas medonhas que tinha vontade de fazer. A sua diversão perversa foi de encontro com os nossos pais e ele fazia o máximo para causar brigas horrorosas na nossa família. Eu sempre observava quando estava dizendo mentiras nos ouvidos do meu pai sobre minha mãe com o vizinho e as várias coisas que dizia para ela que o papai fazia enquanto nos buscavam no colégio: a maneira que ele olhava para as mães dos meus amigos. Isso causava uma histeria doentia de confusões o dia todo.

Só precisou os meus genitores perceberem que as brigas eram por causa dele, da nossa amizade, e decidiram contratar um psicológico. O doutor sempre dizia coisas estranhas sobre nossa amizade e o quanto estava fazendo mal para os meus pais. Depois das consultas, eles passaram a controlar os nossos comportamentos, fazendo de tudo para nós não conversarmos como antes. Isso causou tanta fúria na sua pessoa, que eu estava esperando a sua resposta ser a mais terrível de todas, e foi o que aconteceu nessa noite: ele passou dos limites ao castigar os meus pais.

Percebi quando colocou um pouco de um líquido no café dos meus pais, e eles foram juntos dormir, por causa do cansaço. Durante esta madrugada, despertei com barulhos apavorantes vindos do quarto dos meus progenitores e entrei... Ao abrir a porta, vi quando ele estava esfaqueando os seus corpos presos por cordas. O sangue estava sendo arremessado para cima e para baixo, pintando os seus membros enquanto se contorciam por conta das cordas serrando as suas peles em carne viva, e o som era nauseante. O seu riso assustador, no seu rosto, enquanto pressionava aquele objeto nos seus membros destorcidos e ensanguentados, causava-me um arrepio gélido. Dava para ouvir o barulho da carne se dobrando em fatias com a frequência infinita que movimentava a sua mão.

"Agora, eles não vão mais nos incomodar, eu estou certo?". Eu senti o vento saindo da sua boca e cortando todo o meu corpo, em todos os centímetros que minha mente poderia imaginar do meu próprio físico. Ele tentou repetir mais uma vez, só que com um pouco mais de selvageria na sua boca. A sua violência foi interrompida com a porta atrás de mim, que foi arrombada: dois vizinhos entraram, por conta dos barulhos de agonia dos meus pais, e observaram a cena toda. Um deles estava segurando o celular enquanto começou a tremer, chicoteando o aparelho no seu ouvido. Certamente, estava ligando para polícia e correu na direção de nós dois, agarrando a besta enlouquecida. Eu fiquei observando tudo enquanto eles estavam espremendo o corpo dele com tanta força para imobilizar, que quase quebraram os seus ossos. A voz do homem alto gaguejou na chamada de socorro, dizendo que o filho matou os seus pais enquanto dormiam.

Eu observei quando a casa ficou repleta de agentes, pessoas curiosas do lado de fora e luzes piscando de maneira incansável surgindo das viaturas. Os vi levando o meu amigo sobre custódia, e eu me senti solitário mais uma vez por depositar minha confiança em um suposto companheiro. Os investigadores nunca souberam as coisas que eu presenciei e nunca conseguiram explicar para ninguém como a criança e filho único pôde matar os seus pais sem nenhum motivo. A história que eles dizem sobre o "bicho-papão", não é nada além do que a própria criatura horrorosa que existe dentro dos humanos. Eu sempre estou observando todos embaixo das camas, dentro dos armários que ficam entreabertos, ou nos corredores escuros das casas quando alguém se levanta para tomar água. Me sinto isolado, pois a minha aparência é uma coisa realmente apavorante para os humanos, em razão de os seus olhos inflamarem em seus rostos - é uma coisa que não dar para esquecer. Apesar de tudo, sei que existe algo pior do que isso, é uma coisa que eles nunca percebem, até ser tarde demais.

Autor: Sinistro

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