31/07/2018

Poço Maldito

João Silveria fintava o céu estrelado, cujo fulgor do luar cortava brilhando em seus olhos num descontento final. Fintava o vazio de seu derradeiro destino compelido por um desejo banal. João então, relembrou toda sua história até ali, naquele poço, ao ser traído e atraído por seus próprios desejos.

Sua vida e a história ligava-se àquele lugar; estavam entrelaçadas com a incógnita história daquele poço, erguido em imemoráveis tempos. Para alguns, obra do demônio, a qual remetia a tempos antecedentes a de Portugal. Assim rezava a lenda.

Poderia ser como uma lenda qualquer de poço dos desejos, mas aquele era de testemunho combalido, não somente por sua origem jamais descortinada, mas por realizar todos os desejos de seus pedintes.

Quando soube do posso, João abraçou o mesmo e por meses depositava-lhe os poucos réis que lhe sobravam.

Aqui está sua história...

João era um negro alto e de físico vigoroso, pelo trabalho duro como ajudante de ferreiro, pertencente a uma geração de negros livres, pois antes fora agraciado pela lei do ventre livre.

Tinha olhos negros e profundos, mas um sorriso luminoso, principalmente ante seu alvo de afeto, Justine, uma jovem e formosa moça filha de Joaquim, o ferreiro dono do lugar.

O fato é que João, perdido em seu platonismo pela jovem, temia nunca poder conquistar seu afeto e amor, sem as virtudes financeiras dos abastados brancos e por isso apelou ao poço por meses a fio. Poço, pai indireto de muitos segundo seu pai, que lhe contava as histórias desde a tenra idade.

De certo, muitos testemunhavam a favor de um misticismo envolvendo o poço de maneira que o senhor de seu pai apenas logrou sucesso com o mesmo. Vindo pra terras de Pindorama, falido e condenado pela coroa, pagou por seus pecados em terras tupiniquins até que visando tirar do papel um projeto de moinho e fábrica de farinha, clamou ao poço dando-lhe oferendas de dobrões por escravos que o executassem. Assim veio a ele dado por um amigo, escravos como Zulu Silveira (pai de João), escravos que compelidos ao trabalho, edificaram o projeto de seu senhor, Emmanuel Nogueira.

Porém, extenuado das longas jornadas de servidão, Zulu Silveira clamava em seu âmago íntimo pelo descanso da liberdade e em segredo pediu ao poço, com poucos dobrões custosos, por uma família livre. Assim fora que engravidou sua mulher de João Silveria quando ainda no percurso da gravidez se anunciou a lei do ventre livre e com notável esperança, Zulu viu se formar no ventre da jovem negra, o futuro de uma família livre através de João Silveira.

João cresceu ouvindo as histórias do famigerado poço que estava em meio a uma densa floresta no meio do nada, e quando cresceu, seu pai pediu para que ele vivesse o que ele nunca viveu. Fosse ao sabor do vento que lhe desvelaria os caminhos da liberdade e lhe dissesse aonde eles deram, pois João teria como senhor apenas Deus.

Porém, com temor, João viu sua liberdade cerceada pelas limitações financeiras impostas pela sociedade, assim fugiu ao amor por Justine a quem fintava seus cachos dourados em segredo. Amar era o significado mais cheio de ternura de sua liberdade, ainda que um amor platônico em meio a sua malfadada desventura financeira.

A jovem e bela Justine também teria sido fruto do ocaso do poço ao luar. Seu patrão, o ferreiro Joaquim, contava-lhe que ao deflorar sua amada mulher descobriu que ela era estéril. Assim Joaquim clamou ao Deus do alto e o poço do baixo, o qual a fundura não se podia desvelar, depositou toda semana um dobrão naquele poço, até que com os meses, a resposta lhe sobreveio pela esperada gravidez de sua mulher.

Joaquim que conhecia terras inglesas, assim batizou Justine por considerar justiça e gracejo do insondável poço, o qual somente se poderia vislumbrar pelo ribombar dos sons dos dobrões caindo em seu fundo.

Muitas eram as histórias de desejos atendidos pelo poço, por coincidência e sorte ou destino dos deuses e orixás. Mas João ainda que um crente no Deus dos cristãos passou lá depositar moedas junto com sua fé, na esperança de que seu desejo se concretizasse.

Durante o primeiro mês João passou a depositar todos os sábados, suas finanças e esperanças, mas como num infortúnio não teve respostas a não ser um agourento silêncio do poço.

Assim passou-se dois meses e mesmo quando as trevas da noite se adensavam, João passou a depositar e depositar...

Passou-se então quatro meses, cinco e seis, até que numa noite sob a lua cheia, João parecia exasperado com aquele lugar. Depositou suas moedas até a última o fundo tocar, e murmurou, depois praguejou contra o infortúnio do poço que tragou por gerações adentro as fortunas.

Tomado então por uma perplexidade mesclada à fúria, inclinou-se sob a abertura, na esperança de que o fulgor do luar lhe descortinasse algo. Ouviu água, mas apenas de forma pardacenta consegui contemplar até que o muro que lhe escorava cedeu até o fundo a seu derradeiro fim.

Seu corpo estava estropiado e contorcido por fissuras e fraturas expostas, quando despertou ao fintar o céu estrelado e o luar, pela abertura do poço de onde caiu.

Sentiu então desvanecer-se suas forças, junto ao sangue que escorria de seu corpo, junto às fontes cristalinas.

João estava em seu fundo e como último esforço, virou-se para o lado e contemplou infindáveis dobrões, moedas de todas gerações acumuladas como num grande cofre natural. Seu sangue que manchava as imaculadas águas escorria entre as peças de ouro e prata.

Naquele momento, ele finalmente compreendeu, que o poço que lhe atraiu, não lhe traiu, mas apenas cumpriu o que ele sempre clamou em sigilo insondável, morrer rico.

Lá estava ele agora, cercado de toda riqueza que sonhou e clamou, o depósito de inúmeros pedidos e desejos cujas histórias nunca conheceu, mas que de um modo a outro o levou inexoravelmente até aquele momento.

Autor: Gerson Machado de Avillez

24/07/2018

Eu não ouso ignorá-lo

Eu tinha por volta dos 6 anos de idade, nessa época costumávamos visitar meus avós por parte de pai em um sítio à cerca de 50km da cidade, no interior de São Paulo.

Minha avó morava sozinha em um casarão que já foi chique, tinha uma sala enorme de pé direito duplo que se dividia em três ambientes, uma escada subia e em um segundo piso haviam cerca de seis quartos. Mas mesmo sendo uma casa bonita, era uma casa velha, e o banheiro ainda era fora da casa, uma construção que chamavam de “casinha”, cerca de 100m da casa.

Minha avó era uma figura, ela era uma daquela senhoras de sítio cheia de histórias para contar, que vão desde o primeiro beijo dela aos poucos anos (a idade mudava cada vez que contava a história) até o dia que ela viu figuras folclóricas nas matas próximo ao sítio. Meu avô havia se afogado nos rios a alguns anos, e ela jura que era a Iara que chamou ele. Riamos das histórias enquanto comíamos o maravilhoso bolo de fubá que ela fazia.

Era um dia comum, eu ajudei nas tarefas diárias e pela primeira vez tomei banho no rio, até porque era melhor nadar pelado do que ficar pelado em frente a família toda se esfregando dentro de um balde de água quente.

Após o jantar, minha avó subiu para seu quarto, e nós ficamos assistindo televisão. Já era cerca de 1h da manhã, quando a energia caiu. Todos ficamos assustados, acendemos algumas velas que já estavam ali por perto e ficamos na sala fazendo companhia um ao outro.

Já era quase 2h e a energia ainda não tinha voltado. Pensamos “bem, deve ser um corte de racionamento, melhor irmos dormir”.

Foi quando ouvimos um guincho. Parecia ser um porco, mas era muito alto. Ele foi acompanhado por um bater de asas pesado e um estrondo que parecia algo enorme que pousou no telhado da casa. Podíamos ouvir passos nas telhas, que eram ecoados pelo grande espaço vazio entre o teto e o chão do casarão. Meu pai pegou a espingarda em cima da lareira e a carregou com dois cartuchos. Ele começou a acompanhar o barulho com sua mira, foi quando percebeu que o que quer que fosse aquilo, estava indo em direção do quarto da vovó.

Ele correu como nunca o vi correr, e nós acompanhamos porque, bem, por mais que fôssemos enfrentar um dragão ali, era melhor que ficar sozinho, eu estava literalmente me mijando de medo. Subiu a escada em meia dúzia de saltos e ao chegar na porta, ela estava trancada. Ele disse que ouviu minha vó rezando e um barulho que pareciam com castos contra o chão de madeira do segundo andar. Eu só ouvi o grito de minha avó. Ela não atendia, então ele conseguiu arrombar a porta.

Logo que entrei, senti um cheiro estranho, parecia ovo podre. Vi que meu pai estava com lágrimas nos olhos, e nunca vi ninguém dormindo tão divinamente. Minha avó estava na cama, coberta com uma colcha, e com as mãos unidas em frente ao ventre, segurando um rosário. Uma vela estava acessa ao seu lado e ela estava sorrindo. Seria uma cena linda, mas ela havia falecido. Ela teve um infarto.

Não vimos nenhum rastro da coisa com casco e asas que guinchava como um porco.

Meu pai vendeu o sítio poucas semanas depois, com toda a mobília e até com as roupas e utensílios que estavam lá, única coisa que ele retirou foram alguns pertences como livros, retratos e álbuns de fotografia da família.

Um ano se passou e essa história já estava quase esquecida por mim. Eu voltei a me lembrar disso no dia que meu pai teve um derrame. Fomos ao hospital naquela noite, ele segurou meu braço e me disse “ele vem quando o ignoramos”. Meu pai faleceu naquela noite.

Desde então eu não o ignoro mais, todo dia antes de dormir, deixo um prato de leite e um prato com pedaço de bolo ou algo do tipo. Todas as manhãs o copo e o prato estão vazios. Já é uma tradição a mais de 10 anos. Não ouso ignorá-lo. ​

Autor: Antonio Campos

17/07/2018

Olho Mágico


Primeiramente: John Valley, tenho 27 anos e se teve a oportunidade de ler esta carta significa que estou morto. Vamos do início, não quero me prolongar desnecessariamente. Com a recente conclusão da minha faculdade de psicologia, pude arrecadar uma quantia específica com o dinheiro obtido com o estágio e realizar o meu sonho de comprar uma casa própria numa vizinhança pacata e recomendada por um amigo próximo. Não sei se é correto chama-lo de amigo numa hora dessas, mas quero muito acreditar que ele foi ignorante sobre a história da casa. Quem vivia nela, sendo mais exato.

Na primeira olhada entrei com o corretor de imóveis para avaliar as condições e não pude deixar de notar a porta de um armário entre a sala e o corredor que levava aos quartos. Nela estava grudado um papel meio amarelado com os dizeres: "Não perturbe!"

Liguei para o meu amigo, nesse mesmo dia, procurando saber mais informações, e ele simplesmente respondeu que a casa lhe foi ofertada por alguém que não quis se identificar e que se recusasse não teria problema, ele poderia indicar um parente ou amigo pois o preço era o menos salgado dentre todas as outras casas que estavam desocupadas e que não importando quem fosse esta pessoa não se arrependeria do negócio.

Quanto mais perguntas eu fazia, ele ia se evadindo, como se não quisesse revelar mais nada e me passou pela cabeça ele ter até sido ameaçado de morte ao contrário do que me disse. Que tipo de cara faz uma oferta e se nega a dizer quem é?

Por isso, acredito com todas as minhas forças, que ele, à essa altura, está morto!

Não consegui saber, infelizmente, quem foram os moradores antigos. Mas a porta do armário me tirou o sono mais do que qualquer coisa que normalmente me preocuparia - como uma prova ou uma entrevista de emprego.

Escondido do corretor, arranquei o papel e o amassei. Mais do que o papel e o aviso... o que verdadeiramente me chamou mais atenção foi o olho mágico. Quem diabos coloca um olho mágico na porta de um armário? De um armário... Sério isso? O único da casa. Apenas no armário. Não faz sentido, à primeira vista.

Dei duas batidinhas na portas com dois dedos e não tive resposta.

Foi a primeira teoria: Alguém mantido em cárcere privado.

Mas não explicava o aviso. A menos que o morador anterior tenha se trancado por qualquer razão maluca, o que explicaria ele ser desconhecido. Aparentemente, o meu corretor não foi o mesmo do dele.

A vizinhança, em sua maioria, é composta por pessoas que se mudaram muito recentemente.

Felizmente (ou não) descobri a resposta para o mistério que ocupou minha mente por duas semanas. Um prazo que soou para o corretor para um morador tão ávido em adquirir seu tão sonhado lar particular.

Não me resta muito tempo, então serei o mais direto possível.

Consegui uma "cópia" da chave do armário, que, por sorte, funcionou e me possibilitou entrar nele. O interior é basicamente do mesmo tamanho que um porão ou sótão.

Sem lamparinas, mas terrivelmente encoberto de poeira em cada polegada. Usei a lanterna do meu celular e explorei até onde deu. na verdade, até onde eu pude contar com a sorte.

Ouvi passos atrás de mim e por reflexo me virei de frente à porta aberta e vi rapidamente um vulto correndo para fora. As dobradiças tinham chegado ao limite e ele ainda parecia estar lá, mas não sei porque fui tão idiota em ficar parado esperando algo me surpreender. mas tomei iniciativa tarde demais quando ele fechou a porta com uma velocidade incrível. Quase bati meu rosto. Gritei para que ele destrancasse e ameacei chamar a polícia.

Ele tinha grudado um papel do verso da porta - para o lado de dentro. Nele diz: "Sua vez de espiar agora".

Não sei como ele (ou ela?) escreveu com tanta rapidez, em segundos praticamente. O papel certamente já estava ali desde o início, pois está tão gasto e amarelado quanto o da frente.

Depois recebi um torpedo no celular de alguém anônimo, dizendo ser o ofertante da casa e me dando algumas instruções.

A última delas foi destruir o celular, pegar uma faca e cortar a carne de um rato infectado com alguma substância tóxica que ele injetou - tem pelo menos três seringas vazias aqui - e beber de pouca quantidade de sangue dele prometendo que a coisa fortaleceria minha boa memória... e que a obediência faria a vida do meu amigo ser poupada.

Não sei quem é esse cara, mas acho que sei qual é a jogada. Deve ser um plano para colher informações sobre novos moradores da casa. Alguém sempre tem que ficar espiando. Mas por que?

Meu tempo está quase se esgotando...

O processo vai se completar dentro de poucos minutos...

Vou dobrar esta carta e fazê-la passar pela brecha inferior da porta, depois usar a faca para cortar minha garganta. Quem sabe o próximo interessado na casa a encontre ou algum invasor.

Não... Sinto outras coisas... outras presenças. Aqui dentro e no resto da casa.

Pensando bem, talvez ainda dê tempo de dar uma espiadinha.

Autor: Lucas Rodrigo

10/07/2018

Quem é o monstro?

Eu posso afirmar, com base em meus 15 anos morando aqui, que a rua das corças é o lugar mais tranquilo e seguro que você poderia morar. Em todos esses anos de experiências boas e ruins, o pior delito cometido nessa região foi uma série de furtos de bicicleta cometida por alguns adolescentes da rua vizinha.

Tomo como espanto, portanto, os recentes eventos ocorridos na rua. Cerca de 5 dias atrás, tudo começou. Uma das moradoras mais velhas sumiu sem deixar sinais ou indicações do que poderia ter acontecido. Sem sinais de arrombamento, sem cartas de despedida, sem testemunhas, sem sinais de luta... Nada. A reação entre os moradores foi a pior possível, considerando-se a magnitude do ocorrido em uma rua tão pacata.

No dia seguinte, porém, o evento se repetiu. A vizinha da desaparecida, dessa vez, foi quem sumiu. E assim seguiu-se por 5 dias. 5 pessoas desaparecidas... Uma em cada dia. Todas nas mesmas condições. Pela rua, choviam teorias. –Devem ser alienígenas. – Diziam os mais jovens. –Com certeza é o arrebatamento. – Diziam os mais velhos. Eu, entretanto, ouvi outras teorias mais assustadoras. -Seria uma antiga força demoníaca? Um vampiro? Um ser humano? Um monstro gigantesco? – Todas, porém, parecem fantasiosas demais para serem tidas como verdade. Uma delas, entretanto, começa a tomar grande força na região e na minha mente.

Durante uma grande reunião de moradores na casa de meu vizinho Fernando, discutimos bastante sobre os ocorridos. Todas as teorias que lhe falei foram colocadas em cima da mesa e conversamos horas sobre elas. Até que uma senhora bem idosa chamada de Julia pediu a fala e começou a nos contar uma lenda muito antiga. A lenda conta que o espírito maligno de um antigo assassino africano foi preso em algum lugar daquela rua. Chegaria o dia em que alguém liberaria o espírito e a morte se espalharia por toda a região. Naquele momento meu ceticismo permaneceu forte. Não acreditaria numa história dessas. Precisaria haver alguma explicação plausível. Fui para casa pensativo e demorei a pegar no sono. Pensando se haveria realmente um espírito de um assassino solto na rua das corças.

Acordei no dia seguinte com um cansaço descomunal e me dirigi para a cozinha a fim de tomar café. Enquanto assava minhas torradas, liguei o rádio como de costume. Para minha surpresa, pois aquele era o horário do jornal esportivo, o rádio anunciava a vinheta do jornal policial, seguida pela seguinte notícia:

-A delegacia da cidade recebeu hoje pela manhã uma encomenda pelo correio. Dentro do pacote, havia um coração humano...

Aquilo não parecia real. Uma região pacata se transformava numa cena de filme de terror.

-Legistas vindos da cidade vizinha confirmaram que o órgão foi retirado do corpo 5 dias atrás, o que reforça a teoria de que o órgão pertence à Alessandra Santos, a senhora desaparecida. Não há provas, entretanto, que liguem os fatos. A polícia segue investigando e aconselha a todos os moradores que permaneçam em suas casas.

No decorrer do dia, os moradores resolveram fazer uma espécie de assembleia extraordinária na casa de algum dos moradores a fim de discutir a situação crítica na qual estávamos vivendo. Ofereci minha casa e nos reunimos pela tarde. Novamente as teorias foram postas em pauta, mas nenhuma delas foi comprovada, assim como não haviam provas que suportassem nenhuma delas. Entretanto, meu vizinho Fernando, por trabalhar na polícia, nos deu um direcionamento maior. O possível assassino estaria seguindo um padrão de zigue-zague na escolha da casa das vítimas. Sendo assim, poderíamos prever quem seria a próxima vítima e assim evitar que ela ficasse sozinha. Fernando concluiu dizendo que a polícia já está pensando nisso e que deveríamos deixar tudo isso com eles. De toda forma, aquela luz de esperança acesa parecia apenas uma gota de água em um oceano de trevas e escuridão. Confesso que tudo o que estava acontecendo me deixou, sim, irritado e preocupado. Entretanto, de certa forma me deixou aliviado. Ainda havia uma possível vítima antes de chegar até minha casa. Talvez nem chegasse. Eu poderia fugir. O assassino poderia ser preso. O mistério em fim poderia ser resolvido. Mas todos esses pensamentos eram puramente animais. A Marília deveria estar com tanto medo quanto eu. Provavelmente mais. Ela não poderia fugir, pois seu marido trabalhava na delegacia da cidade. Apenas esperaria que a segurança fosse suficientemente forte para impedir mais um desaparecimento e quem sabe assassinato. Fui dormir preocupado, pois de alguma forma eu sabia que a vinheta policial tocaria novamente no outro dia.

Acordei então calmamente e antes de tudo me dirigi a cozinha. Liguei o rádio e então ouvi:

-Mais um desaparecimento foi confirmado nesta manhã de Sábado. Marília Ferreira de 40 anos passou a noite em casa, como sugerido por seu marido Marcelo. Entretanto, desapareceu misteriosamente entre a madrugada e o começo da manhã.

-MERDA, MERDA! – Soquei fortemente a mesa, sem quebra-la. O medo começava a tomar conta de mim. Apenas mais um dia e seria eu. Eu seria o próximo amaldiçoado a descobrir a verdade disso tudo. Então, fiz a única coisa que poderia para esta noite. Dirigi até o mercado mais próximo e fui fazer compras. Com toda a certeza do mundo, a atendente de supermercado achou que eu fosse o assassino. Saí do estabelecimento com um martelo, um enorme facão, algumas ratoeiras para identificar a chegada do assassino, sinos para colocar em toda a casa, cordas para amarrar panelas e, por via das dúvidas, um incenso para afastar qualquer possível entidade que pudesse se aproximar de minha casa.

Então, rapidamente a noite veio. Preparei todas as armadilhas a tempo, acendi o incenso, segurei o martelo e o facão e esperei em uma nova cadeira preta de veludo. Aos poucos me senti mais devagar... Mais leve... Todos os meus pensamentos flutuavam de uma maneira singular. Como se fossem orquestrados pelo melhor dos maestros. O motivo pelo qual eu estava fazendo tudo aquilo não importava mais. Cercado pelas cores azul, branco e púrpura eu me sentia em paz. Então uma enorme escuridão se aproximou de mim. No meio das cores. No meio dos pensamentos. O contorno de um homem alto se aproximou de mim e me falou: -Sua hora chegou. Receba e perceba a imensidão do universo. – E foi aí que senti uma enorme e aguda dor no meu peito. Tentei empurrar o homem alto, mas ele não estava mais lá. Ele nunca esteve. Percebo que sou eu que seguro a faca. Eu que a cravei em meu peito. Imagens sobre cada um dos vizinhos desaparecidos aparecem em minha mente. Mas não me lembro de ter cometido tais atos. Eu tenho certeza que não fui eu. Então eu desmaio.

Acordo com um movimento brusco e sentindo muita dor em meu peito. Percebo que há um enorme curativo nele. Então um homem fala comigo:

-Então quer dizer que foi você esse tempo todo? Depois de 15 anos?

Estou num carro de polícia. Sendo levado para a delegacia.

-Havia um homem alto que se movia como uma sombra, quando vocês chegaram? Uma espécie de demônio africano. Ele fez tudo isso...

-Você fez tudo isso! Não me venha com essa lenda agora. Vou levar você à delegacia e você será julgado pelos 8 assassinatos que cometeu, seu monstro. Eram apenas idosos. Você percebe tudo o que fez?

-Eu já disse que não fiz nada disso...

-CALA A SUA BOCA!

Então ele largou o volante e se virou em minha direção. E foi aí que eu o vi novamente. Dessa vez com mais nitidez. Um senhor alto e magro com um sorriso assustador cheio de dentes pontiagudos. Sua orelha era extremamente pontuda e metade de seu rosto era... Derretida. Ele segurava a mão de uma jovem garotinha negra que segurava um urso de pelúcia. Então tudo começou a girar. O carro perdeu o controle e a última coisa que vi em minha vida antes de cair naquele barranco foi o demônio a garotinha indo embora na direção da cidade vizinha.

Autor: Silence the Shadow

03/07/2018

Eu e Meu Irmão Vimos Algo Assustador – Parte 8

Minha investigação não está levando a nada. Preciso ir mais a fundo.

Meu plano é: entrar na casa de Tommy e descobrir o seu mistério. Sei que é arriscado, mas a minha obsessão é muito grande.

Mais uma vez, encontra-se meu pai dormindo pesadamente e minha mãe no seu momento de yoga, uma música tocava em seu celular, relaxante e confortante ao som da flauta sendo tocada. Matt está desenhando em seu quarto, não irei interrompê-lo. Estou eu preparada para enfrentar Tommy e seu “reino sombrio”.

Ao lado de sua casa tem uma árvore com folhas verdes tão vívidos, e nela uma escada feita de madeira cravada em seu grosso corpo marrom. A casa dele tem dois andares e resolvi entrar em uma das janelas da parte de cima. Subi o mais rápido possível na árvore e parei em uma janela. Ela estava aberta e dava para ver o que tinha lá dentro. É um quarto totalmente escuro, não que eu quero dizer que estava sem iluminação ou algo do tipo mas as paredes estavam em cinza esbranquiçado, como se um dia ela era branca e o mofo a tomou conta. Engatinhei pelo tronco mais grosso e resistente e entrei. Pisei em algo frio e macio e olhei para baixo, era uma cama com cobertor preto e parecia está molhada. Olhei em volta, tinha um armário de madeira com enfeites dourados, um criado-mudo com o mesmo estilo do armário e nele estava um livro aberto que continha um texto com uma língua pra lá de estranha. Tinha um pôster de uma criatura com cabeça de bode, corpo de homem fazendo sinais nas mãos e um símbolo atrás dele, abaixo estava escrito Baphomet... reconheci que era um demônio. Andei até a porta, abri e dei de cara com o corredor iluminado por tochas de todos os cantos. Tinha um tapete vermelho que ia até o final da escada, andei na ponta do pé entre o tapete liso e macio. Vozes surgiram a cada passo que dava para frente. Cheguei na ponta da escada e pude ver Tommy na sala escura e iluminada pelas tochas , e parece que estava fazendo ritual. Senti um frio passar pelo corredor atrás de mim enquanto ele pegou uma faca e cortou a palma de sua mão direita. Estendeu a mão para cima e falou algo que não consegui distinguir. Já ia me virar para voltar para o corredor quando vi um vulto de olhos vermelhos aparecer atrás de Tommy. Fiquei tão paralisada neste momento ao ponto de eu correr desse lugar.

Recuei para trás em silêncio e tropecei no tapete, fez um barulho quando cai. Falei “ops” mentalmente e Tommy parou de falar, provavelmente ele deve ter ouvido o barulho. Levantei-me e corri de volta para o quarto fechando a porta no mesmo instante e se enfiando dentro do armário. Ouvi passos pesados pelo corredor e parou de frente para a porta. Segurei a respiração enquanto ouvia o rangido da mesma sendo aberta. Pude ver pelos buraquinhos do armário Tommy furioso, olhou ao redor e caminhou pelo centro do quarto. Ele parou em frente ao armário e ficou encarando até esperar sair algo de dentro. Senti uma vontade repentina de pular para fora e chutar ele, mas estou tentando me segurar. Ele colocou a mão na maçaneta e esperou até que ele se virou para a porta, andou até ela e saiu, fechando em seguida. Sai do armário com alívio e esperei mais um pouco. Por estupidez minha abri a porta e fechei com força fazendo um barulho tão alto, dei de cara com Tommy me olhando no final do corredor.

“Ops...”, falei em voz alta.

“Te peguei!”, disse ele em tom baixo.

Seus braços se tornaram tentáculos e me agarraram antes que eu pudesse abrir a porta novamente. Me levaram até ele, seu sorriso estava a mostra.

“Pensou que fugiria de mim assim tão fácil?”

“Eu... v-vou lu... tar com... você”, seus braços me apertando fazendo com que eu tenha dificuldades para falar e respirar.

“É mesmo? Você é tão fraca”, me jogou no chão e me soltou.

“Eu,” disse me levantando, “Sei a sua fraqueza, você não passa de um demônio fraco que vaga no nosso mundo para ganhar almas...”

Seu rosto se tornou em puro ódio, não me arrependi do que disse.


Continua...

Autora: Ely Costa