30/08/2018

Irmãzinha

É uma sexta feira à noite, e o costume é meu pai chegar mais tarde pelo maior congestionamento da estrada, mas já passa das nove e eu começo a me preocupar. 

Tento me manter tranquila convencendo-me de que por ser o dia anterior ao começo das férias de inverno, ainda mais tão chuvoso, era normal ele demorar mais. 

Bem, a tempestade também explicaria seu telefone fora de área, está tudo bem sim. 

Se estiver tudo bem, tenho o direito de voltar a ficar mal humorada por estar presa em casa cuidando de Isabela - minha irmã de treze anos -, não preciso sentir culpa por isso, não é mesmo? 

Como meu pai ainda não chegou, providencio a janta para nós duas, porém a louça suja eu deixo na pia como forma de protesto. 

Está tão frio e eu só quero descansar um pouco, então deixo Isabela ver um filme em seu quarto. 

E quanto a mim, coloco um pijama e vou até a sala onde faço o meu ninho de almofadas e cobertores, ligo a televisão e me deixo relaxar. 

Vou adormecendo num sono tão leve que qualquer barulhinho me acordaria, viro de costas para a televisão e enfio minha cabeça no encosto do sofá a fim de driblar a luz e o barulho. 

Meu descanso é interrompido pelo som da porta de correr deslizando com dificuldade no trilho, mas eu estou tão cansada e não quero ser incomodada pela Isabela, então resolvo fingir que não acordei. 

Sinto-a sentar do outro lado do sofá e puxar as cobertas para si, o que me incomoda um pouco porque me destapa, mas mesmo assim permaneço imóvel. 

Poucos minutos se passaram, mas eu já estou totalmente sonolenta quando escuto a porta se abrindo novamente, mas não a escuto fechar. Quando me viro a vejo aberta e grito para a minha irmã fecha-la, mas como sempre ela não acata meu pedido. 

Está muito frio, se deixar a porta aberta o ar quente da estufa vai sair. 

Mal humorada pelo sono interrompido me enrolo no cobertor e vou repreendê-la por essa mania de portas abertas. 

Mas quando chego no seu quarto ela está deitada parecendo muito compenetrada nos desenhos no notebook, para chamar a atenção dou duas batidas no batente da porta, minha irmã nem se vira, só me dirige um "o que tu quer?". Minha raiva boba já se dissipou, mas ainda estou um pouco incomodada com essa mania recorrente, então só digo que tive que levantar para fechar uma porta que Isabela poderia ter fechado quando passou por ela e pedi que da próxima vez isso não se repetisse. 

E ela me responde com "Que isso? Ta enlouquecendo? Eu tava aqui o tempo todo! Achei que teríamos mais tempo antes de tu ter Alzheimer também." Nossa, que surpreendente, sempre muito engraçadinha. Rebato afirmando que sei muito bem o que ouvi, a porta abrindo, e o que senti, os cobertores sendo puxados. 

Ela começou a rir dizendo "quer saber, eu sei muito bem o que tu ta fazendo, tu quer me deixar com medo, mas não vai funcionar. Eu não sou mais tão idiota e tu não me assusta mais." 

Muito a contragosto volto para a sala sabendo que aquela conversa não teria fim. Penso que deve estar pregando uma peça em mim, mas até mereço. Quando era pequena gostava de assusta-la, contar histórias de terror ou chegar de fininho e gritar. Uma vez até consegui convencer uma amiga dela que eu era uma bruxa e poderia amaldiçoa-la. 

Já na sala desligo a luz e deixo o barulho da televisão o mais baixo possível. Num estalo lembro que meu pai ainda não chegou e confiro o relógio, quase onze horas. Meu coração aperta, mas não quero me deixar levar por pensamentos ruins. "Está tudo bem, está tudo bem, está tudo bem" fico repetindo na minha cabeça como um mantra. 

Aninho-me novamente no sofá e vou adormecendo, torcendo para que esteja tudo bem mesmo. 

Logo o barulho a porta me desperta de novo, e mais uma vez resolvo continuar quieta para não começar uma conversa, eu só quero dormir. "Pelo menos ela fechou a porta" penso. 

Senta-se no mesmo lugar da ultima vez e igualmente puxa os cobertores para se tapar. 

A tempestade está muito pior agora, começo a pensar se não seria mais prudente tirar os aparelhos eletrônicos da tomada, mas a preguiça me vence. 

E então um estrondo muito forte me deixa atordoada ao mesmo tempo em que a televisão fica muda e a luz que escapava por baixo da porta se apaga. "Merda" penso um pouco antes de minha irmã gritar de seu quarto pedindo que vá acudi-la, "Bem, acho que ela ainda tem medo do escuro." 

Chego até a dar um sorrisinho, até perceber: se ela está lá em cima, quem está aqui comigo?


Autora: Luisa Moreira

31 comentários:

  1. No começo da história eu achei cliche,porém no final continua cliche do mesmo jeito :p Não deixa de ser divertida mas é bem normalzinha

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    1. O pior é que foi inspirada em uma coisa que aconteceu comigo kkkkk

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    2. Me conte mais sobre isso, fiquei bastante curioso agora kkk

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  2. Gostei 😊 curta e divertida (no sentido de distrair bem, ser um entretenimento legal) adoro esses finais abertos... 10/10 🎃

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  3. Gostei da história, bem escrita e com uma boa narrativa. Pode ser clichê, mas isso não diminui a qualidade. Parabéns!

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  4. Luisa, eu tive quase um orgasmo literário com tua forma de escrever, detalhada sem ser maçante nem forçado e como tu descreve as falas e emoções me transmitiu uma proximidade incrível com a realidade. Pls continua escrevendo, ainda quero ler muita coisa tua, fodíssima <3

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    1. Aaaaaa muito obrigada, ler isso me deixa muito feliz. Infelizmente não tenho muito tempo pra escrever :( (faculdade, sabe como é), mas estou organizando outros contos que já publiquei na minha conta do wattpad pra mandar aqui. E sempre que sobrar um tempinho escrever mais :)

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Será que o pai morreu no caminho e tava se afofando com ela no sofá? T-T

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  7. Bem clichê, o final foi bem esperado. Porém também concordo que foi bem escrito :D

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  8. Muito sutil e bonitinha! É previsível, mas a forma como a história é contada compensa. A autora realmente escreve bem.

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  9. Que história cabulosa, isso teve ter alguma coisa haver com o desaparecimento do pai da garota

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  10. Luisa gostei MT da história parabéns MT parabéns msm...éeeh eu postei essa história na minha página do Facebook mais dxei o link do site e dei os créditos a vc,vc QR q eu remova da minha página ou pode dxr lá? Se vc qser q eu remova eu removo de boa rs,parabéns pela história ficou MT boa msm

    https://www.facebook.com/Escritorlouco/

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    1. Muito obrigada 😁 fico feliz que tenha gostado. Não precisa remover, agradeço pela divulgação <3

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