18/09/2018

Mas gosto de ser sozinho livre para voar

O sol estava tão forte quanto nos dias anteriores, mas se eu não tivesse saído com umas blusas extras estaria com os dentes batendo a essa hora. Chega a ser estranho ter mais um ano letivo começando e mais livros para comprar pra Luna. A impressão é de que nem um mês se passou desde a última vez que fiz isso. E Caramba, a Luna! Como está crescida! Fico bobo de pensar que alguns anos atrás ela não passava do meu joelho!

A livraria que frequento daqui de Andover é pouco movimentada. É moderna de certa forma por ter um daqueles sistemas de postos de combustível em que você paga o que compra sem ter interação com outra pessoa, só deixa o dinheiro lá e leva o que precisa. Não costumo ver outros clientes além de mim na loja e isso acaba por aumentar minha preferência pelo estabelecimento.

Nunca consigo lembrar dos livros que tenho de comprar pra Luna, o que me faz gastar mais tempo na livraria do que gostaria, mas de alguma maneira sempre acerto na escolha. Acho que tenho muita sorte, pois na maioria das vezes parece que só estou pegando um livro aleatório da prateleira.

O que estou levando hoje é um daqueles livros didáticos padrões de escolas públicas. Luna é fascinada por biologia, então escolhi um desse tema. Espero que não esteja avançado demais pra série dela.

No caminho de volta senti um embrulho estranho no estômago… acho que estou esquecendo de algo. Será que tinha outro livro? É melhor me apressar e perguntar a ela, não seria justo a pequenina perder aulas por erro meu.

A calçada e o asfalto agora pareciam dançar sob meus olhos que insistiam em se fechar. Definitivamente não estava bem e a sensação piorava conforme chegava perto de casa. Lutei bravamente tentando seguir adiante sabendo que não podia me atrasar. Odiaria deixar Luna sozinha à noite.

A última coisa de que me lembro é de ter desabado na sarjeta com minha cabeça pesando mais de uma tonelada, pendendo pro lado do poste enquanto a visão escurecia.

“Luna, querida…”

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Acordei tonto no chão depois de um sonho esquisito e senti a garganta fechar ao tentar engolir em seco… “Espera, foi um sonho?” Esse mal estar me deixou confuso, espero não ter apagado por muito tempo.

Sentei no assoalho de pernas cruzadas e agradeci ao perceber que estava em casa. Graças a Deus consegui voltar. Vi também que o livro estava meio aberto no chão e me senti mais aliviado ao saber que consegui trazê-lo também. Só que tinha algo errado. As páginas não estavam nele, só a capa. Os carimbos estampados lembravam aqueles de escola pública e tinham os dizeres padrões de “venda proibida”, “distribuição gratuita” e em outro mais embaixo “registros testes - necrofilia”. “QUE?”

Senti um aperto gélido no coração. O que eu estava pensando ao trazer uma coisa dessas pra Luna? E onde estão as páginas? Será que Luna as encontrou? Nunca vou me perdoar se tiver acontecido.

Percebi umas letras miúdas no canto da página que também diziam “Registros Luna - dia 1”.

“Ah, é mesmo” - Pensei soltando um risinho aliviado - “Não tenho filha”.

Melhor eu me apressar, Luna pode ficar entendiada me esperando sozinha lá embaixo.

Autor: Otomai

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