24/08/2017

Entre os Túmulos

Estou escrevendo isso porque sei que não sou louca, mas se eu não contar para alguém sobre o que aconteceu, posso não permanecer em sã consciencia por muito tempo. Começarei contando o que aconteceu há dois meses, quando Molly morreu e a minha vida mudou. Quase todos nós temos um amigo em quem confiamos, alguém que sabe como nos sentimos e o que pensamos sem mesmo trocar uma palavra. Um amigo que, não importa o quão ruim estejam as coisas, ele estará ao seu lado e irá sorrir para que você saiba que não está sozinho. Minha amiga era a Molly.

Eu sabia que algo estava errado quando a Molly não apareceu na escola, e nem respondeu minhas mensagens ou ligações por dois dias. Depois da escola, o meu pai me levou para a casa dela, mas quando chegamos a casa estava interditada com a faixa da polícia. No dia seguinte, as primeiras páginas dos jornais exibiam, “Homem espanca filha até a morte e se enforca”. Fiquei perturbada; não saí do quarto por três dias. Minha vida parou e fui reduzida a uma bola encolhida na cama, soluçando interminavelmente. Eu sabia que o pai da Molly batia nela com frequência, não importa o quanto eu falasse sobre isso, ela sempre ignorava. Eu nunca pensei que aquele bastardo acabaria com a vida dela.

A mãe da Molly tinha morrido quando ela ainda era muito nova, então sua tia preparou todo o funeral e convidou todos os colegas da Molly para prestar respeitos. Foi um lindo funeral. Como era um caixão fechado, a tia da Molly falava para todos que ela estava usando o vestido que usaria na formatura daquele ano. Meu coração quebrou-se outra vez ao ouvir isso, mal havia completado um mês que tínhamos comprado vestidos combinando. Molly foi enterrada ao lado da mãe em um cemitério local; seu pai foi enterrado em outro, não muito distante. Depois do funeral, comecei a perder o interesse nos estudos, na TV, nas músicas, em sair. Faltava às aulas frequentemente e recebia ligações da escola. Molly era grande parte da minha vida, e agora que ela se foi, sinto um vazio que nunca será preenchido.

Depois de um mês vivendo silenciosamente em meu quarto e mal indo para a escola, minha mãe entrou no meu quarto e conversou comigo. Ela me convenceu de que eu precisava continuar com minha vida, e que Molly desejaria o mesmo para mim. Com o tempo voltei a estudar, até achei a caneta tinteiro que Molly tinha me emprestado na ultima aula em que estivemos juntas. Sorri ao vê-la outra vez. Senti vontade de ver a minha amiga mais uma vez; queria contar que eu estava bem e sentia saudades. Um dia, enquanto voltava para casa depois da escola, comprei algumas flores e fui para o cemitério. Foi quando senti aquilo. No momento em que passei pelas portas do cemitério, senti algo estranho, como se o calor do meu corpo estivesse sendo sugado lentamente para fora. Lembrei de ter sentido algo assim no funeral da Molly, mas poderia jurar que era o tempo frio.

Enquanto andava pelo caminho cercado por túmulos, a sensação se intensificava. Comecei a tremer enquanto o calor deixava meu corpo. Minha respiração condensou e minhas mãos adormeceram, tudo que eu queria agora era deixar as flores no túmulo da Molly e sair. Olhei em volta, os túmulos envelhecidos, e não havia ninguém por perto, embora eu sentisse que alguém estava me observando. Muito, muito perto. Eu poderia descrever como o modo em que um animal selvagem observa um humano, analisando, procurando por uma fraqueza. Depois de longos segundos, alcancei o túmulo da Molly.

As flores caíram das minhas mãos adormecidas e meus joelhos curvaram-se. Caí de cara no túmulo. Toda a minha força me abandonou e minha visão embaçou enquanto eu escorregava para a inconsciência. A última coisa que vi antes de apagar foram as estranhas marcas de arranhões pelo túmulo da Molly e a sombra de uma figura parada atrás de mim.

Não sei por quanto tempo apaguei, mas acordei em um lugar fracamente iluminado, lutando para respirar, sentindo um frio que nunca senti em minha vida. Quando minha visão se ajustou soltei um grito sufocado. Uma criatura esguia, com a pele negra como carvão, estava sobre mim, com mãos em garras ao redor do meu pescoço, mal me permitindo respirar. Baba caia dos lados de sua enorme boca, cheia de dentes finos iguais agulhas. Ele me encarava profundamente, com o grande olho injetado que havia no centro do seu rosto. Eu bati e chutei, mas o aperto da criatura se intensificava. Então ela falou numa voz sibilante e pavorosa “Por séculos definhei nas sombras do cemitério, me alimentando dos vestígios de almas que restam nos corpos, mas agora a sua alma completa vai me restaurar”.

A criatura começou a apertar mais forte o meu pescoço e senti o sangue subir à cabeça com a pressão. Comecei a perder as forças outra vez, enquanto a vida lentamente me abandonava. Pensando rápido, deslizei minha mão para o bolso e puxei uma caneta. Senti sua forma em meus dedos e soube que era a caneta que Molly tinha me emprestado. O mais rápido que pude, retirei a tampa com o polegar e com o resto de força que me sobrara, dirigi a ponta da caneta diretamente para o olho do monstro. A ponta da caneta afundou através daquele globo gelatinoso no rosto da criatura, fazendo com que ela se atirasse para longe de mim e se debatesse pela sala, gritando. As longas garras da criatura passaram pelo meu antebraço deixando quatro finos cortes. Minha força retornou e meus pulmões se encheram de ar novamente. Fiquei de pé rapidamente e me afastei do monstro que se contorcia no chão. Vi um caixão no centro daquele pequeno lugar e atrás dele havia uma porta entreaberta, permitindo que um pouco de luz iluminasse o mausoléu. Corri para ela, passando pelo caixão, evitando seja lá qual fosse aquela coisa, e empurrei a porta. Sem olhar para trás, corri para longe do mausoléu, e quando percebi, já estava no lado mais distante do cemitério. Não perdi tempo, não sentia frio e nem fraqueza, e não daria outra chance para que aquela criatura me matasse. Apertando meu braço ensanguentado, corri para os portões, enquanto as lágrimas caiam dos meus olhos.

Quando cheguei em casa, meus pais me levaram ao hospital para que suturassem os cortes em meu braço. Eles não acreditaram quando contei o que tinha acontecido comigo no cemitério. Convenci meu pai a procurar pelo mausoléu que descrevi para eles. Mas o meu pai apenas encontrou a porta do mausoléu muito bem lacrada. Agora frequentemente visito um psicólogo, já que os meus pais acreditam que meus cortes foram auto infligidos e que eu lidava com uma depressão por ter perdido a minha melhor amiga. As vezes penso que eles podem estar certos e que eu realmente machuquei a mim mesma. Posso ter elaborado uma fantasia em minha mente para escapar da depressão. Mas quando acordo quase todas as noites, tremendo e suando frio, lembrando do momento em que aquela criatura terrível me enforcava, penso diferente. Sei que não estou louca, mas ninguém acredita em mim.

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