05/05/2020

O outro mesmo ônibus

Nem todos os garotos têm o luxo de morar na região urbana, já outros, como eu, precisam pegar, pelo menos, três ônibus para chegar ao colégio antes dos portões serem fechados. O ônibus parou, mais ou menos oito estudantes estavam esperando em frente a um milharal, quando aquela multidão saiu como formigas, escapando do calor escaldante. No meio daquela empurração, um garoto estava agitado. Aquele típico babaca que os outros gostam de se aproveitarem. Ele estava nervoso e agoniado, porque havia esquecido algo. Então, os mais fortes o empurraram para fora, e nós entramos logo em seguida. As portas atrás de mim fecharam e um vento sopapeou o meu rosto. Observei, Evan Treborn, o motorista, perguntando se eu queria jogar alguma coisa para fora antes que fechasse a janela, porque estava preste a começar um temporal.

Sentei um pouco à frente, a outra turma foi para os fundos: um casal aconchegou-se no meio, no final um solitário mexendo em seus livros e, quase nas minhas costas, o filho do policial rabiscando algo na vidraça. Enquanto ainda estava distraído, observei que havia escrito com lápis azul de cera: "Não existe o mesmo dia... Sabemos muito bem que essa manhã você pode mudar o seu destino". Ele percebeu quando eu estava terminando de ler e disse que foi alguma coisa que ouviu de manhã, mas não lembra onde. Foi então que virei para frente e me concentrei no rádio ligado. O motorista, provavelmente mais uma vez, encontrava-se chapado e dirigindo. Logo, chegaríamos a estrada.

Uma chamada de alerta estava orientando os motoristas e moradores sobre um fenômeno atmosférico incomum, não havia muito tempo para que chegasse possíveis ventanias, raios e interferências em meios de comunicação. O cara que estava falando pediu para que todos ficassem em suas casas e envitassem dirigir. Evan não era o sujeito que se preocupava muito, este olhou pelo retrovisor e disse que iria pilotar um pouco mais rápido, se não quiséssemos que nós faltássemos a aula. A turma, os outros quatro caras que estavam fazendo barulho no final, não se importaram e os demais permaneceram em silêncio. Nessas circunstâncias o motorista aumentou a velocidade enquanto, aos poucos, a transmissão da rádio foi ficando ruim até que sumiu.

Nós finalmente saímos da estrada de terra e esburacada. Você percebe isso quando o ônibus para de saltar e o sossego do asfalto toma de conta do momento. Estávamos começando a passar por uma parte que fica por quase um quilômetro em um campo aberto. Acho que não percebi quando escureceu, as nuvens tomaram de conta do céu como um véu noturno, o vento estava sacudindo objetos, possivelmente jogados de outros veículos, para um lado e para o outro na rodovia. Finalmente os raios começaram a cair como o cara do rádio alertou, nunca tinha visto algo igual... tantos relâmpagos iluminando o campo, um atrás do outro. Pareciam umas faíscas cada vez que tocavam o campo e alumbrando como flashes de câmeras. A água caindo do céu com o fenômeno estranho, assemelha-se com dezenas de espelhos refletindo. Do outro lado, eu vi um outro ônibus. Quanto mais os relâmpagos caiam, mais parecia uma miragem um outro coletivo correndo por uma estrada igual a nossa. Em um sentimento de repugnância e choque, eu não consegui me mexer até que um estrondo forte e uma claridade fez tudo se acalmar como uma manhã tranquila.

Minha mão ficou presa no ferro que auxilia os passageiros para que subam com mais segurança, o motorista estava olhando para mim e tentando fechar a janela, e o vento tentando me empurrar para trás, mas não havia mais tempo de voltar, porque as portas foram trancadas e os oitos garotos se sentaram nos mesmos lugares. Parecia que eu havia acordado de um pesadelo e entrado em um outro. Olhei para trás: aquele garoto estava riscando o vidro, o casal sentado um pouco atrás e o barulho incessante dos outros quatros quase no final dos assentos. Com mau pressentimento, perguntei ao motorista se estava tudo bem e ele estava esticando sua mão e aproximando o seu rosto para o rádio que estava transmitindo aquelas notícias sobre o mau tempo.

Levantei para falar o que estava preste a acontecer quando olhei para o final do ônibus e vi uma criatura no lugar onde deveria ter um garoto: com tentáculos no lugar das mãos, uma pele repleta de escamas, como se fosse uma criatura do mar, barbatanas nas suas costas, a boca terrivelmente desproporcional para o seu rosto, os olhos esbugalhados e fazendo barulhos estrambólicos. Eu gritei apontando para a coisa e todos miraram para mim como se eu estivesse ficando louco. Diante disso, Evan baixou o vidro para observar e pedindo para eu sentar, bastante aborrecido. Gritei em pânico para a coisa no final das cadeiras, mas todos disseram que eu estava ficando sem noção porque era apenas um garoto mexendo em seus livros e ficando assustado com o meu comportamento.

Naturalmente, abanquei como se eu não estivesse visto nada e concordando com o ódio dos demais. Cruzei minhas pernas, encostei no vidro e estava lembrando as mesmas sensações quando o ônibus chegou na rodovia. A agitação do caminho cheio de buracos desapareceu, e os raios começaram a espetar o chão com luzes incomuns como fogos artificiais. Eu vi o outro ônibus surgindo com criaturas dentro, coisas repugnantes e assustadoras e, no fundo, estava aquele garoto que agora foi substituído por um monstro, gritando e batendo no vidro enquanto os outros se aproximavam e devoram seu corpo... seu sangue se espalhou, pude sentir os seus ossos quebrando e a mandíbula daquelas coisas de outro mundo mastigando lentamente. A tortura durou por alguns segundos até que o clarão voltou mais uma vez, logo após o estrondo o anunciando.

Estava sentado com a cabeça entre os meus joelhos e bastante zonzo. De repente dei um grito porque meu cérebro não soube aceitar todas as informações que estavam voltando com muita pressa e notei o casal, do outro lado, olhando para mim e o cara perguntou se eu estava bem. O motorista pediu para eu parar de bancar o babaca, porque está querendo ouvir o que o rádio estava transmitindo. Os meus braços não param de tremer como nunca aconteceu em toda minha vida, mesmo assim consegui me levantar. A minha atenção foi diretamente para os fundos, e aquela coisa repugnante ainda estava lá, movimentando-se e parecendo que estava grudada naquele assento e me ignorando como se nada estivesse acontecendo. Os namorados continuavam olhando para mim quando eu caí no chão mais uma vez, e a garota disse que eu não estava normal. Nos segundos em que finalmente consegui controlar o nervosismo e buscar de alguma forma explicação para tudo, olhei para o cara que, das outras vezes estava riscando no vidro do ônibus, e observei uma criatura ainda mais assustadora e medonha quanto aquele mostrengo no final dos assentos.

Ele parece uma mistura de homem com algum tipo de díptero braquícero, talvez uma mosca. Eu poderia sentir como se fosse geleia os seus músculos pastosos, o seu corpo não passava de pus e sangue saindo por todas as partes. Seu gemido de agonia, sacudindo a cabeça e batendo contra o vidro, como se estivesse sentindo muita dor, fez um choque correr por todo o meu corpo tão frio quanto o inverno, um erro de Deus ou apenas uma besta fera do inferno expulsa das trevas.

O motorista pediu para que alguém me ajudasse, então o rapaz que estava sentado com a garota me colocou em um banco do lado e disse que eu estava suando muito. Quando percebeu que eu iria me levantar mais uma vez, segurou os meus braços com mais força, já que é um garoto mais forte e falou que ficaria tudo bem. De repente, os rugidos dos relâmpagos chegaram naquele terreno aberto, eu nem percebi quando nós havíamos chegado na estrada. Os olhos do garoto estavam distraídos com outra coisa e os seus lábios anunciaram que havia algum evento do outro lado, e eu vi o outro coletivo, dessa vez mais um outro garoto estava lá, aquele que agora foi substituído por um monstro muscidae ainda mais repugnante, e as criaturas lá devoravam os dois e divertindo-se em euforia.

"Que merda está acontecendo!?" - Ele expulsou um miado de pavor e a sua atenção voltou novamente para o nosso ônibus. Sua expressão era abalada, mas uma curiosidade mudou o seu semblante com uma pergunta curiosa para mim. Entortou os seus lábios para indagar se eu estava ouvindo um "Tic Tac". Finalmente estava escutando junto com ele, e sua cabeça olhou para os nossos pés, e encontramos uma mochila. No mesmo momento, ele abriu como um instinto animal. Quando fez isso, o clarão veio e, dessa vez, nem deu para ouvir nada... apenas o silêncio.

Minha cabeça bateu violentamente contra o vidro e fez rachar como a teia de aranha. Eu sabia que estava acontecendo novamente e virei para o casal, os únicos que se preocuparam comigo, e, agora, eram outras criaturas com tentáculos, gosmas verde, deformidades, escamas, uma mistura doentia de outro mundo, que estava aqui comigo! Um devorando o outro como se fosse uma fome descomunal, os corpos se juntando. Uma verdadeira obra chocante, uma cena tão horrorosa quanto qualquer tipo de pesadelo que existe no mundo. A coisa ficou no final, a outra continuava sofrendo e se golpeando em todas as partes e o grupo.... também transformado em monstros com tentáculos no lugar dos membros e a estrutura física transparente, mostrando os seus órgãos funcionando e se arrastaram para minha direção.

Para tentar escapar desse horror indescritível e imaginário, fui para frente e o motorista, algum tipo de cadáver vivo com vários vermes saindo por todas as partes, tentou dizer algo, enquanto uma gosma negra saia da sua boca. Todos eles foram se aproximando até que eu, mais uma vez, percebi que nós estávamos na tempestade de raios e, do outro lado no ônibus, os outros garotos apontavam para uma das janelas, mas já era tarde demais... pude senti eles partindo os meus membros, enquanto ainda continuava vivo de alguma forma, mastigando e triturando entre os seus dentes e expulsando para dentro dos seus estômagos os meus pedaços. A minha carne sendo cortada pelas suas unhas até que, finalmente, tudo ficou branco.

O freio do ônibus espalhou terra seca em todas as partes com a ajuda da aragem, que estava ficando mais forte. Uma multidão saiu de dentro do ônibus e, no meio daquela bagunça toda, eu pude observar um garoto agoniado porque havia esquecido algo dentro do coletivo. O grupo de fortões e mais altos, o empurraram. Parecia que eu estava fazendo tudo no piloto automático quando entrei e observei Evan Treborn tentando fechar a janela e perguntando se eu tinha alguma coisa para se livrar, enquanto a brisa surrava os nossos rostos. Naqueles segundos, eu corri, empurrando os outros, e peguei aquela mochila jogando-a pela janela, e o motorista disse que não precisava de tanto exagero. O ônibus começou a seguir o seu caminho, e uma notícia começou a falar sobre uma suposta tempestade passageira que, da mesma forma que chegou, desapareceu. Era apenas um efeito atmosférico desconhecido, no entanto alertou para terem cuidado com as estradas.

Nesse amanhecer, a minha família foi avisada sobre um atentado no colégio, no qual algum garoto havia levado bombas dentro da sua mochila e disparado no horário de movimento nos corredores, vários estudantes haviam sido mortos e muitos feridos. As famílias ficaram revoltadas como uma criança de treze anos conseguiu plantar os explosivos e disparar no horário com mais aglomeração de colegas. Eu ainda estava chocado com as coisas que tinham acontecido comigo para ficar aterrorizado com esse novo evento. Uma coisa é certa e que não quer parar de ficar martelando na minha mente: existe algum tipo de ligação que minha mente ou qualquer outra não consegue explicar ou compreender.

No enterro dele não foi ninguém, o que sobrou do seu armário no colégio foi jogado no pátio para que o caminhão levasse. Me aproximei de alguns livros e anotações. O seu armário encontrava-se pichado com coisas ofensivas e vandalizado, um dos livros se destacava... mais conservado do que os outros, como se não fizesse parte daquele espaço, mesmo assim palavras escritas, como se a tinta ainda estivesse jovem, diziam as seguintes citações na capa:

"Entre dois mundos paralelos, eu posso estar sofrendo e no outro eu posso torna-me um monstro. Não existe o mesmo dia... Sei muito bem que essa manhã posso mudar o meu destino e dos outros..."

Autor: Sinistro

4 comentários:

  1. rapaz buguei e entendi ao mesmo tempo, gostei parabéns, me lembrou muito direita e esquerda por algum motivo.

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  2. Alerta de Spoiler



    Bom, o menino pega o ônibus pra escola e entra num loop infinito onde uma bomba na mochila explode e todos morrem, aí ele volta pro momento que ele entra no ônibus. Ao mesmo tempo, ele nota outro ônibus igual ao que ele está, mas cheio de criaturas e cada vez que ele e os colegas morrem na explosão um deles é substituido por um monstro. Ele descobre a bomba e tira ela do ônibus, aí ele quebra o loop e salva todos

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  3. Killer Queen! Daizan no Bakudan! Baitzadasto!!

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  4. excelente creepy bem difícil de entender mas isso e parte do que a torná boa. Espero creepy bem feitas assim no futuro.

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