24/08/2015

Eisoptrofobia

Espelhos nos rodeiam desde o começo da civilização. Mesmo antes de inventarem o primeiro, já podíamos ver nossos próprios reflexos na água. Não importa a ocasião, espelhos refletiriam qualquer pessoa e qualquer coisa. Eles refletem até mesmo os rostos que pertenceram a malucos, assassinos e meliantes.

No meio da noite, eu acordei completamente coberta de suor – pela terceira vez na semana. Não conseguia dormir mais, pensando na criatura que queria me machucar e machucar meus filhos. Eu vivia em constante medo, e ninguém poderia me ajudar, nem a polícia, muito menos um psiquiatra. A coisa mais terrível é que eu não podia falar a verdade pra ninguém, e se eu o fizesse, acabaria trancada em um manicômio. Eles tirariam minhas crianças de mim e achariam outra família para cuidá-los... O que no final, seria melhor do que viver com uma mãe esquizofrênica.

Tudo começou há mais ou menos um ano atrás, quando meu marido foi encontrado morto em um quarto de hotel que ele utilizou numa viagem de negócios. Ele costumava viajar sempre, e nunca se passou pela minha cabeça que algo tão horrível pudesse acontecer. Eu ainda lembro-me da manhã que recebi a ligação, ainda me lembro daquela voz que compartilhou essa notícia comigo.  Eles o encontraram em frente a um espelho quebrado com um pedaço do mesmo em suas mãos; sua garganta estava cortada, e havia alguns cortes no seu corpo. A polícia pensou que ele havia feito aquilo consigo mesmo porque a porta estava trancada por dentro... No entanto, eu sabia que ele não faria aquilo. Ele nunca nos deixaria, e mesmo se quisesse cometer suicídio, por que ele cometeria de forma tão horrível?

Nos primeiros meses logo após sua morte eu nunca imaginei que alguém pudesse me ameaçar. Claro, eu estava depressiva e minha vida se tornou muito difícil, mas nada de estranho havia acontecido – até aquela noite, quando um medo inexplicável tomou conta da minha mente –.

Eu acordei e fui ao banheiro quando vi algo estranho refletido no espelho enquanto eu passava na frente dele.

Havia algo errado com o meu reflexo.

Poderia ter sido apenas uma ilusão de ótica, o que não é estranho quando você tenta enxergar as coisas no escuro... Porém, quando eu me aproximei do espelho, vi algo que fez meu coração parar na boca.

Não era eu no reflexo – na verdade, parecia com uma versão grotesca de mim. Era corcunda e o pescoço parecia grande e flexível demais. Algumas partes do rosto daquilo pareciam cobrir minhas feições, e se eu olhasse bem, poderia ver meu rosto distorcido de uma maneira misteriosa. A coisa do espelho se moveu, e o movimento não parecia humano.

Assustada pra caralho, eu tentei ver as coisas pelo modo racional e decidi ligar as luzes.  

A coisa desapareceu e no espelho, eu podia ver minha forma “verdadeira”, mesmo que bastante assustada. Eu disse para mim mesma que havia sido uma ilusão, uma brincadeira da falta de luz e da minha visão... Mas, na manhã seguinte, quando lembrei do que havia visto, simplesmente não podia mais chegar perto de espelho algum, ou pelo menos nunca ficaria sozinha em uma sala onde pudesse ver meu reflexo.

Agora imagine, seu trabalho exige que você conheça muitas pessoas, que você se importe com a forma de se vestir, e a pequena ideia de se olhar no espelho já te deixa louca.

A pior parte era que eu não estava só com medo de que algo acontecesse comigo, mas com meus filhos também. Eu disse para eles não olharem no espelho quando estão sozinhos, e claro, eles deram risada e disseram que eu estava ficando louca. O que eu poderia fazer? Eu não sabia nada sobre aquela criatura, e eu nem sabia se era real. Minha racionalidade tentava me convencer que aquilo nem existiu, que não seria possível existir de seja lá qual for o ponto de vista, mas eu não conseguia me livrar da ideia de que atrás de um espelho teria algo ou alguém me esperando cometer apenas um pequeno erro fatal.

Uma noite minha filha e as amigas dela decidiram fazer uma festa do pijama. Elas fizeram algumas brincadeiras idiotas, com algo relacionado à Bloody Mary, ou seja lá qual for o nome... Minha filha tinha que ficar no escuro, parada em frente ao espelho. Ela sabia que eu havia proibido aquilo e mesmo sem acreditar em mim, dessa vez ela hesitou sem motivo aparente. As amigas dela riram e disseram “Sua mãe não está aqui... Você pode fazer o que quiser...”

Ela concordou.

Até hoje não sei os mínimos detalhes do que aconteceu, pessoas diferentes me disseram coisas diferentes, mas em algum momento da festa, ouviram ela gritar e quando finalmente a alcançaram, ela estava sentada no chão do banheiro com diversas queimaduras nos braços e ombros.

Ela foi levada ao hospital e só acordou na manhã do dia seguinte. Médicos não sabiam o motivo daquilo, assim como os policiais que investigaram a morte do meu marido. Com lágrimas nos olhos eu a levei para casa sem a menor ideia do que havia acontecido. Tudo que eu sabia é que ela estava diferente.

No começo, pensei ter sido uma consequência dos acontecimentos traumatizantes, e os médicos me disseram a mesma coisa.

Mas depois de um tempo me convenci que havia algo verdadeiramente errado.

Minha filha nunca foi o tipo que falava demais, mas depois do acidente ela se tornou mais fechada ainda. Eu tentava falar com ela, mas a única coisa que ela fazia era me insultar. Depois de um tempo, descobri que ele havia faltado diversas aulas e que um dos vizinhos a viu torturando animais. Eu não conseguia entender o que estava acontecendo com ela, algumas pessoas me disseram para ir ao médico e outras me falaram sobre padres e exorcismos, mas eu sabia que não tinha nada a ver com doenças ou religião.

Eu comecei a pensar que algo havia matado minha filha e tomado o lugar dela.

A ideia em si era absurda e eu sabia disso. Ao mesmo tempo, meu medo começou a ficar maior.

Uma noite a encontrei próxima ao quarto do irmão com uma tesoura na mão, eu perguntei o que ela pretendia fazer, mas ela apenas sorriu. Eu peguei a tesoura das mãos dela e a mandei dormir, mas ela me atacou e me bateu. O soco dela era extremamente forte, especialmente para uma garota da idade dela. Foi aí que minhas duvidas desapareceram e só um pensamento pairava na minha mente.

Meu filho era três anos mais novo do que ela eu temia por ele. Decidi que se essa coisa havia tomado um dos meus filhos, não o deixaria machucar o outro. Só uma mãe louca deixaria o filho sozinho e só uma mãe mais louca ainda viveria no mesmo teto que uma criatura sedenta de sangue... Então, um dia eu peguei meu filho e nós viajamos até a casa da minha mãe. Eu disse a ele que a visitaríamos por apenas alguns dias e que a irmã dele não iria junto porque ela precisava estudar para provas. Eu menti descaradamente, mas foi para o bem.

Assim eu pensei.

Passamos alguns dias a salvo; eu não conseguia superar o medo que sentia, e que agora não estava mais sozinho, culpa também me consumia incansavelmente. Várias e várias vezes o pensamento de que minha filha precisava da minha ajuda voltava até minha mente. Aquilo estava errado, não havia nenhum monstro no espelho e deixar minha filha sozinha era um erro indesculpável. Eu precisava ter certeza de que eu havia feito a coisa certa.

Um dia eu andei até um dos espelhos da sala e o encarei. Sim, eu lembrava da minha aparência, óbvio. Mas não havia olhado no espelho por pelo menos um ano. Minha pele estava esquisita e minhas mãos estavam trêmulas – eu senti algo estranho, algo... Fora do comum. “Não tenho nada a temer, não tenho nada a temer.” Sussurrei.

Eu estava quase chorando, minha filha poderia estar sendo vítima de um ataque de pânico e talvez fosse minha culpa, eu não havia prestado tanta atenção nela... Ela estava em uma idade tão difícil! Eu odiava aquele medo irracional e eu me odiava por desistir de tudo. Tudo que eu queria era voltar, achá-la onde quer que ela esteja e abraçá-la, mesmo sabendo que ela poderia não me perdoar.

De repente eu lembrei que a criatura só aparecia quando não havia luz alguma e esse pensamento me deixou desnorteada, eu precisava ter certeza, eu precisava me ver no espelho durante a noite.

Acendi uma vela na frente do espelho e conferi para que ninguém me escutasse, olhei para meu reflexo nos olhos, meu rosto estava coberto de sombras e meus olhos estavam completamente negros, mas era eu. Sempre eu. Eu tentei olhar para outro ângulo e percebi que não podia mover minha visão dali... Eu parecia estar hipnotizada.

Meu reflexo começou a ficar mais e mais desfigurado, o pescoço parecia ainda maior e as costas ainda mais tortas; os dentes pareciam crescer na velocidade da luz e eu só queria correr, mas ainda parecia paralisada. Eu queria gritar, mas minha garganta parecia tapada. A criatura colocou os braços para fora e eu podia ver a chama da vela se mexer.

Os dedos daquela coisa tocaram meu braço e uma queimadura fez com que eu despertasse da minha hipnose. Eu gritei e balancei os braços, mas ele me mantinha num “abraço” apertado. Alguma coisa me empurrou para frente e eu pude ver eu mesma caindo em um espaço vazio e gigantesco. Eu não tinha mais poder sobre meu corpo e eu podia me ver andando na direção de uma luz que  a princípio pensei estar vindo da vela. Eu encarei a luz, e ela me engoliu por inteiro.

Eu era nada. Nada havia sobrado de mim. Agora eu posso somente pensar, pensar sobre minha vida destruída. Pensar sobre as coisas horríveis que essa criatura que carregava meu rosto e falava com minha voz podia fazer com meu filho. Mas eu tenho esperança, esperança de que algum dia você entre em um banheiro escuro e olhe para si mesmo nos olhos.


Lembre-se de que você estará olhando pra mim.

9 comentários:

  1. Oloco mermão, vou olhar pra ela todu dia ants de sair de casa😂😂

    ResponderExcluir
  2. Toda vez que leio uma história, mesmo eu sendo tão racional, me dá arrepios de verdade enquanto estou lendo, porém quando eu termino tudo volta ao normal e não sinto nada, é como se estórias de terror fossem minha espécie de cigarro, e eu não sei se posso parar.

    ResponderExcluir
  3. Acho meio difícil uma entidade puxar todo mundo q se olha no espelho para dentro.deve ser no mínimo.......6 bilhões.

    ResponderExcluir
  4. Çoccor. Eu não sei pq, mas eventualmente (acho que a palavra certa é frequentemente) paro na frente do espelho e fico me encarando, me analisando, por um tempo considerável, até cair na real e ir fazer o que tinha que fazer. Pode parecer estranho, mas para mim soa normal.
    Mas bem, se a pessoa do espelho for bonita, passo meu número para ela ;)

    ResponderExcluir
  5. agora minha fobia por espelhos se aguçou, mas é creepypasta, não posso parar ;-;

    ResponderExcluir
  6. To sentindo pena dela, vou no espelho para salva la

    ResponderExcluir