28/04/2017

Creepypasta dos Fãs: O Senhor da Corrupção

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Criaturas inteligentes, quem lhes conduz?
Em eterna ignorância, interesse e desdém.
Correm para a Luz, correm para a Luz.
Mas pertencem a mim também.

Adianto que esta é uma história sobre o inverso. Nada, absolutamente nada, pode existir sem o seu oposto. Considere essa uma autobiografia do Mal.

“É possível que eu tenha passado longos anos sem saber que existia. Tudo era escuridão para mim. Um mero expectador de nada, sem corpo e sem companhia. Quando os primeiros vislumbres da luz começaram a surgir por toda parte tomando formas gigantescas que nasciam e morriam em instantes, ajustando-se em grandes espetáculos de fogo, eu observava tudo aquilo sem saber o que pensar ou entender. Os planetas e seus satélites, as estrelas, as galáxias, a matéria invisível até para mim que mantém todas as coisas unidas pelo campo gravitacional. Tudo isso acontecia bem diante de mim. Um Universo calmo, escuro, agora perturbado pela atraente beleza da Luz.

Minha consciência pareceu despertar quando os corpos celestes esfriaram, formaram seus rios e mares e a primeira centelha de vida começou a despertar nos cantos mais improváveis do Universo. Criaturas rastejantes que se transformavam e caçavam criaturas menores do que elas. Não faziam nada demais. A vida delas era só matar, copular e morrer.

Observar tudo aquilo foi espetacular, é claro. Naquela época, eu não tinha nenhuma noção de existência ainda. Eu me divertia simplesmente vendo os planetas que podiam abrigar vida se transformando e as espécies em evolução cobrindo seu terreno, dominando continentes inteiros, encontrando seus predadores naturais. Maravilhado, eu pude ver o quanto as criaturas se esforçavam para ficarem maiores e melhores em matar umas às outras. Não demorava muito até que uma grande inovação biológica como olhos sensíveis à luz, um pescoço mais alongado, presas curvas ou asas pudessem lançar certos animais ao topo da cadeia alimentar e garantirem a permanência de sua espécie em seu habitat.

Foi observando aquele ciclo interminável de caça, cópula e morte que eu pude perceber que, muito embora as criaturas tivessem um tempo limitado, eu permanecia atemporal. Não precisava comer, copular ou matar. Eu estava livre dos grilhões da vida, apenas assistindo aquela história sem sentido de criaturas programadas para repetirem o mesmo ciclo de novo e de novo. Não havia paixão naquilo. Elas simplesmente faziam o que suas necessidades naturais mandavam fazer. No entanto, todas elas possuíam uma origem primordial, um ponto em comum. Era óbvio para um ser tão antigo como eu: a Luz.

Foi a Luz que deu origem a todas aquelas criaturas. Eu sabia que eu não havia sido gerado pela Luz, pois eu estava lá antes da Luz existir. Aquilo me transtornou muito e por eras eu me ressenti enormemente pela incógnita que orbitava minha existência. Será que eu existia de fato? Eu me perguntava isso. Todas as criaturas pareciam nascer, crescer, se reproduzir e morrer. Eu não. O que isso significava para mim além de que eu estava apenas morto?

Até que nesse planeta vi surgir uma espécie nova, mais inteligente. Eu via sua engenhosidade, seu cérebro trabalhando para superar as desvantagens de seu corpo fragilizado e o ambiente hostil à sua volta, recheados de predadores maiores e mais fortes. Via como essa criatura, aos poucos, conquistava seu lugar primário na cadeia alimentar graças a sua inteligência ainda em formação. Mesmo que ainda fosse igual às outras criaturas, buscando seu espaço para nascer, crescer, se multiplicar e morrer, aquilo era novidade. Tanta novidade que um dia eu decidi cumprimentá-la, conhecê-la de qualquer forma. E então eu me revelei.

A primeira vez que fiz isso, apenas sussurrei no ouvido da nova criatura, um mero macaco remexendo em ossos e pedras. Aconteceu algo inesperado, no entanto. A criatura pareceu não ser capaz de me ver, mas eu havia desencadeado algo nela com as minhas palavras. Um sentimento, uma nova descoberta que destrancava áreas não visitadas de seu cérebro primitivo. A criatura contou de mim para os outros, inventou histórias fantásticas a meu respeito e logo foi coroado como o líder daquele lugar entre seus iguais. Fiquei surpreso pelo deslinde da situação. Mais surpreso ainda ao ver o quanto o poder da criatura havia lhe subido a cabeça, tornando-o um líder tirano, levando-o a seu assassinato e a uma guerra de facções, culminando na destruição daquele povo, jogando-os na escuridão.

E o culpado era eu mesmo. Eu havia corrompido a Luz daquela criatura. Foi a primeira vez que eu percebi que se a Luz havia concebido aqueles seres, eu havia lhes apresentado as Trevas. Um desvio da finalidade evolutiva de uma espécie inteira.
Minha marca no mundo estava lançada a partir daquele dia. Uma corrupção que transformava aqueles seres e os faziam cometer atos estranhos e jamais vistos. Eles amavam, odiavam, faziam amizades, coletavam rivalidades, cobiçavam, invejavam, adoravam. A corrente que mantinha aquela espécie unida unicamente para seu próprio bem estava ameaçada pelos sentimentos novos que eu despertava sorrateiramente, mas isso não era uma má notícia. Nunca! Foi com alegria que eu percebi que, na verdade, a Luz não era a resposta suficiente para o avanço da vida. Eu também era. A minha influência e perversidade eram algo que dava a essas criaturas um predador a mais para se preocuparem: elas mesmas. Seu ciclo evolutivo começou a funcionar novamente, correr contra o tempo para se aperfeiçoar cada vez mais.
Eu havia, enfim, encontrado meu propósito. A Corrupção, as Trevas. A contraparte da Luz. Não um inimigo a ser destruído e evitado, mas uma parte vital na evolução da vida, um equilíbrio, um princípio universal para a harmonia do Universo. Se a Luz era Amor, eu era o Ódio. Se a Luz era o Afeto, eu era a Rivalidade. Sem mim, toda vida inteligente ficaria presa em um status de conforto e ignorância eterna. O incrível motor do Universo e suas infinitas possibilidades estariam congelados para sempre.

Foi o que eu fiz desde então. Corrompi toda vida inteligente com Trevas. Sou o seu Deus, assim como o responsável pela Luz.

Não demorou muito e outros seres sem propósito, de alguma dimensão solitária, começaram a nascer e buscar conforto nas religiões e crenças místicas dos povos humanos que cobriam a Terra. Eu estava lá a tempo demais para ser iludido feito eles, para não saber ao certo quem eu era. Essas entidades brincavam de deuses à vontade, interpretavam seus papéis de bons ou maus e alguns até conseguiam assombrar fisicamente aquelas criaturas. Meros reflexos de alguma outra dimensão perdida no cruel desinteresse do Universo. Entretanto, até essas entidades novas e sem propósito pareciam sentir minha presença, criar teorias ao meu respeito e a minha contraparte. Eu me maravilhei com elas igualmente, pois eu sabia que sem minha corrupção elas jamais encontrariam o sentido de suas vidas. Jamais existiriam.

Os humanos e seus deuses.

Muito prazer, eu sou o Senhor da Corrupção.


E sou o seu Deus”.

Autor: Marco Carvalho (Parabéns!)
Revisão: Gabriela Prado

11 comentários:

  1. Sério? Nenhum comentário.nenhum tom de comédia sobre política ?

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  2. Legal o texto, mas n é bem uma creepypasta.

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  3. Não é o Diabo, o Diabo veio depois da luz e ele veio de algum lugar, esse narrador é Deus mesmo, tanto que ele se compara aos outros deuses e se impõe como o maior. Deus nos corrompeu, ele nos apresentou às Trevas

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    1. Uma creepy malteísta, simplificando. Uma teoria teológica bem incomum, mas interessante, crer que Deus é uma entidade maligna

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  4. Pessoal liga corrupção somente a política
    Corrupção, no sentido de corromper, pessoas corruptíveis... Suscetíveis ao mau

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  5. Creepy maravilhosa! Parabéns Marco Carvalho!

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  6. Achei muito boa e bem escrita! Parabéns!

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  7. Caramba, que creepy! Gosti, além de ser muito bem escrita, diferenciou-se na questão do deus bom. Parabéns ao autor pela creepy!

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