13/08/2014

Creepypasta dos Fãs: Casarão

Mais um dia como qualquer outro. Acordar depois das 15H, dar uma mijada, voltar para o quarto sem escovar os dentes para não estragar o gosto do whisky. Puxar a gaveta viciada e servir-me de mais uma dose. Abrir o notebook e fazer uma nova aposta.

               A fumaça de meu primeiro cigarro do dia empesteava o quarto de uma maneira densa, fazendo com que meus olhos se apertassem ainda mais. O sol aquecia o recinto razoavelmente bem, deixando a cama aconchegante, mas com desejos de me expulsar do local devido à claridade. 

               Não preciso de um emprego, não preciso de uma faculdade, não preciso de dinheiro. O que mais poderia desejar uma jovem de 22 anos com 6 milhões na conta? Ainda que viciada em apostas e que tivesse dinheiro o suficiente para arcar com minha carreira de nadadora sem necessitar de patrocinadores, tudo isso foi arrancado de mim.

               Acontece que minha família, pai , mãe , duas irmãs e quatro sobrinhos fizeram uma viagem (após anos e anos de planejamento) para se encontrarem com parentes que há muito tempo não viam, apresentar os novos e pequeninos integrantes da família. Fui a única que ficou para trás, devido ao compromisso com meu emprego. Funcionária com apenas 2 meses de casa, impossível pedir férias adiantadas, o período de experiência não havia nem chegado ao fim...

               O pior aconteceu! Devido a uma promoção de passagens aéreas na internet minha família pagou com a vida. Foi provado que sem o conhecimento do piloto, o avião usado apresentava um “leve” defeito no trem de pouso e a companhia estava ciente dos riscos. Ainda assim decidiram colocar a aeronave a disposição. Um Boeing 777 com 333 passageiros (não estava em sua capacidade total) nem chegou a decolar, o aeroporto se encontra a beira mar, os passageiros do Voo 111 morreram todos afogados. E o que mais me tortura foi ter recebido uma mensagem ilegível de uma de minhas irmãs justo nessa hora.
Hoje gozo desta indenização.

               Então entendam que não há empolgação em gastar este dinheiro não há motivação ou prazer... Existe apenas... Um vazio...

               Obviamente perdi meu namorado e minhas amigas devido a minha conduta, cheguei a um patamar que era incapaz de SENTIR qualquer coisa, raiva, medo, apreço, felicidade, tristeza... Eu apenas... Existia... E nada mais! Pode parecer angustiante, mas na realidade, não se parecia com nada, pois eu era um “nada”.

               Algo me veio a mente, talvez sugestão de alguma de minhas amigas ou simplesmente reapareceu na superfície, pois meu sonho sempre foi rodar o mundo. Queria conhecer lugares, culturas e costumes, o desafio sempre fora conhecer o máximo que eu pudesse para satisfação própria. Hoje o desafio é simplesmente “sentir algo” em qualquer lugar do planeta.

               E indo para o Brasil tudo mudou...

               Em um hotel no litoral (um dos mais caros) conheci um empresário poliglota. Sinistramente singular este camarada. Que conheceu minha história e após alguns drinks chamados “caipirinhas” me ofereceu uma oportunidade “única”. Disse que: “Se isto não lhe comover, se isto não lhe emocionar, não te transformar, NADA mais irá. Te devolverei o dinheiro e nunca mais nos falaremos”.

               Era o 9º país que eu visitara e estava prestes a desistir, pois nenhum dos outros oito me despertara qualquer tipo de sentimento.

               Apenas topei, já não existia uma única alma neste planeta da qual eu decepcionaria ou teria de me explicar... Sem problemas, retornei ao meu quarto, me vesti apropriadamente e me certifiquei de que meu cantil estava cheio de whisky antes de trancar a porta conferi na internet alguns resultados de apostas que havia feito. 

               O Casarão era escuro e sugestivo. Não fazia ideia do que ocorreria ali, apenas segui o fluxo. Olhando por fora era abandonado, quase que caindo aos pedaços. Na minha concepção apenas não foi vandalizado pois havia um firme sistema de segurança guardando o local.

               Havia abandonado qualquer tipo de esperança antes de entrar. Homens de terno e óculos escuros se enfileiravam no hall de maneira que nos guiava para um elevador de aparência antiga. O hall do Casarão era simples, havia um tapete vinho que ia da entrada até o pé das escadas que levavam ao segundo andar, uma escrivaninha com uma máquina de escrever, uma porta dupla à esquerda e à direita duas outras portas. Já o elevador ficava nas costas da escada que descemos sem que nenhum botão fosse apertado, o que me pareceu uns quatro andares em direção ao subterrâneo.

 O empresário se virou para mim e perguntou: - “Assuntos globais”, “Apostas em geral”, “Prazer carnal”, “Expansão Mental” ou “Desespero Único”? Escolha apenas um, ou todos, seja bem-vinda! Existem outras quatro opções, que não veem ao caso, pois esta é sua primeira vez aqui no Casarão.

                Fiquei tentada a escolher “apostas” ou “expansão”.  Mas como estava buscando algo que me causasse algum tipo de sentimento, decidi sair do meu script e respondi: - “Desespero único” apenas.

               Suas sobrancelhas se arcaram quase até o topo de sua cabeça expressando surpresa e proclamou: - Terceira à esquerda, final do corredor.

               Segui as regras, não era nada espetacular, porém o sentimento de CURIOSIDADE e CAUTELA foi despertado em mim, após tantos meses no vazio. Vasculhei pelo cantil de whisky no bolso interno de minha jaqueta de couro, o achei e o tomei, deixando pouco mais que a metade.

               O local quase não possuía luz, conseguia sentir o cheiro de lodo, umidade infiltrada por dentre tijolos criando um clima frio e um tanto quanto hostil.

               Sentei-me no banco junto a um senhor, CÔMICO, terceiro sentimento despertado. Trajava um smoking e uma cartola, nada chamativos a não ser seu bigode meticulosamente aparado.

               Disse ter me reconhecido do hotel, havia me visto no dia anterior e após alguns minutos de conversa fiada e um leve desabafo (perdeu sua esposa em um acidente de carro a 5 anos e 5 meses atrás) me confidenciou que apenas recebi este convite pois sabiam exatamente quem eu era, pois havia usado meu cartão no hotel e a partir daí sabiam de toda minha história e trajetória, devido aos meus dados.  Decidi CONFIAR neste homem! ”Oh senhor este lugar é mágico, é o meu quarto sentimento após toda essa merda sem sentido” pensei comigo.

               Antes de se levantar acendeu meu cigarro com seu isqueiro personalizado e foi em direção a uma porta de metal, sem se virar disse: “Apenas aqueles que viram o inferno e possuem dinheiro suficiente chegam a este lugar... A este santuário! O intuito do jogo é nos deixar mais fortes simplesmente dominando tudo aquilo que nos detém” E apontou com a mão direita a porta vizinha, indicando que eu deveria adentra-la.

               Estava terminando meu cigarro e o observei entrar, após alguns minutos na companhia da nicotina jurava ter ouvido derrapadas de carro vindo de sua porta trancada, me deixando realmente CONFUSA.
               Acabei de fumar, dei mais uma golada de meu querido cantil e segui até minha porta.

               A sala estava completamente escura, alguém me puxou e forçou-me a sentar. Amarrou as minhas mãos e pernas a cadeira. De repente um clarão me cegou, com as luzes se acendendo, um aparelho foi usado para que as minhas pálpebras ficassem abertas, creio eu que pareciam garras de metal envoltas em silicone. E um telão foi ligado, como se fosse um cinema, mas sem meu namorado para me beijar, sem pipoca ou público.

               Pessoas reais em situações reais estavam se afogando.

               O CALAFRIO me tomou por inteira.

               Todos eles lutaram inutilmente por suas vidas:

                Um rapaz filmado por uma câmera debaixo d’água em uma piscina tinha seus olhos arregalados de maneira desesperadora, arranhava a garganta como se todo aquele líquido o queimasse.

                Um pescador se acidentou com sua rede de pesca envolta a corda do que parecia estar ligada a uma espécie de âncora. Até conseguiu um pouco de ar enquanto se debatia e conseguia colocar um pouco de sua face para fora do rio buscando oxigênio. Fazendo com que sua luta durasse ainda mais.

               Uma adolescente flagrada em um canto de uma sala durante uma festa, completamente embriagada e provavelmente drogada, tentava virar o corpo para vomitar, sem sucesso engasgava-se com o próprio regurgito não expelido de completo. Suas pernas espasmavam até o fim de sua miserável existência.

               Além de ter me mijado inteira e estar chorando descontroladamente, senti que a sala estava sendo inundada. Não conseguia olhar devidamente para baixo, o aparelho utilizado para fixação de minha face me impedia. A água estava na altura da minha cintura. A CULPA passou a me consumir, senti-me culpada por ter agido de maneira que vim agindo ultimamente. Comecei a gritar calorosamente por CLEMÊNCIA.

               Para que eu fosse arrasada de vez, completamente fragmentada, juntamente com mais litros de água eis que a seguinte cena surge:

               Uma bebê recém-nascida em seu primeiro banho, estava se afogando na banheira, seus bracinhos curtos emergiam e submergiam o tempo inteiro. Não havia piedade. Quem filmou tal cena, com certeza não teve piedade ao assistir tamanha atrocidade.

               E após outros tantos vídeos a água estava cobrindo completamente meus seios.

               Em determinado momento a CALMA, me dominou, a sensação era de que eu havia passado horas e horas apenas calma. Como quem havia de fato aceitado o seu destino, sem mais nem menos. Não passei por autocomiseração nem nada parecido. Apenas deixei que a tranquilidade fluísse pelas minhas veias e meu corpo que tremia de frio.

               Foi então que entrei em estado de CHOQUE.

               Toda a minha tranquilidade, minha paz e aceitação que de fato viria a morrer foram sugadas de mim. Como de maneira orgulhosa o telão apresentava tal título:

               “Caixa-Preta do Voo 111”

               Estas simples palavras me atordoaram...

               A acústica da sala magicamente se tornou algo tão real, que jamais acreditaria que tal tecnologia pudesse existir ainda que daqui décadas. Era tão real que me senti parte do Voo 111 dentro daquele maldito Boeing 777, mais uma tripulante.

               Pude ver e ouvir as pessoas rezando e gritando por suas vidas quando o trem de pouso falhou em alta velocidade fazendo com que o avião simplesmente fosse deslizando em direção ao mar.

               Ah! E obviamente, minha família era o foco principal de uma das câmeras. Os vi se abraçando como podiam, minha irmã mais velha parecia ter sacado seu celular para fazer algo, os cintos não se soltavam, nem puderam lutar por suas vidas, não tiveram sequer uma chance. Achei que morreria de ataque cardíaco ou de um AVC, até queria que tivesse acontecido desta maneira.

               Um vulcão emocional entrou em erupção dentro do meu ser! De maneira quente, viva e alucinadamente devastadora! Recobrei todos os sentimentos possíveis, todos ambíguos, enraivecidos, entristecidos, saudosos, culposos, arrependidos, melancólicos, penosos... 

Ver a extinção precoce de minha própria família foi um “Desespero Único” a água havia alcançado as minhas vias respiratórias deixando apenas meus olhos de fora da inundação.
 
Naquele momento singular, estava perdendo a consciência ao mesmo tempo em que compartilhava o destino de meus entes. Fui isolada para algum canto oculto e escuro da minha mente, sentia-me LIBERTA por finalmente ter a oportunidade de me encontrar com todos eles provendo a sensação de que estava junto com todos a palmos de distancia, como se estivesse me despedindo e partindo com meus queridos. Para algumas pessoas pode ser que isto não importe muito, mas... A dádiva de poder dizer “adeus” significava mais que a essência de toda minha personalidade. Cerrei meus olhos.

               Um soco irrompeu da escuridão diretamente em meu tórax; quando dei por mim estava de quatro no corredor expelindo água de minhas narinas e garganta. Inspirei o oxigênio tão alto que pareceu um grito de dor, o ritmo das arfadas só não eram mais rápidas e maiores que minha frequência cardíaca.

               O empresário fez com que eu me sentasse no banco e deixou com que eu recuperasse totalmente o meu fôlego e discernimento! Deixou também com que eu chorasse e gritasse histericamente até que absorvesse o impacto e seus danos consequentes.

               O senhor cômico de cartola me estendeu um cigarro aceso (agora muito mais confiante e cheio de si) enquanto era sorvida de whisky pelo anfitrião, do qual tomei vagarosamente com medo do afogamento.
               - E então minha jovem, foi capaz de sentir? Algo mudou? – Disse o empresário.

               Não respondi. Mas de fato tudo havia mudado, acordei para o que chamo de “resto da minha vida” ou “verdadeira vida”, agora que possuo claro entendimento e domínio sob todas as emoções possíveis para um ser humano, gosto de crer até que passei pela “Expansão Mental” automaticamente. 

               Fui informada de que estava sendo filmada e ao mesmo tempo participava do jogo de algumas pessoas nas “Apostas em geral”. E uma senhora que apostava (uma mulher de negócios dona de uma pequena porção de ilhas no oriente) me indicou aos organizadores do Casarão para que futuramente tivesse um envolvimento maior com o jogo. Devido a minha força e coragem por ter escolhido deliberadamente a situação do “Desespero Único”. Mal sabe a mesma que não fui informada de praticamente nada quanto as regras, ou fui e deixei passar devido a minha apatia e influência alcóolica. 

               “Foram os 200 mil mais bem gastos até o momento”, pensei.

               Em suma encontrei minha verdadeira vocação, renasci para o mundo, a despeito de todas as adversidades e condições da qual fui limitada.

               A única questão que paira minha mente é: devo participar passivamente, enfrentando, crescendo e me divertindo com todas as possibilidades e aspectos do jogo passando pelas situações que ainda não enfrentei ou ativamente, como entendedora e mestra do jogo? Sendo na “captura” de clientes e na exploração da vida dos mesmos!

Sem dúvida este é o ápice, minha maior aposta!!!

Autor: Thiago Luiz Frank

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