06/02/2020

A salvação do nada

Qualquer gasto de energia tentando entender a filosofia do que estou fazendo aqui é em vão.

Em resumo, as anormalidades deste lugar zombam de minha lucidez em tom sarcástico, enquanto convivo com elas dia e noite. Há tempo as barreiras da loucura, do impossível e do tédio foram ultrapassadas nesse inesperado capitulo da minha existência. Deixe-me soar um pouco poético, provar a minha humanidade á quem quer que esteja lendo é o que me trará forças antes de eu começar a rabiscar as últimas folhas deste caderno que se perderá comigo, aqui neste amargo deserto inóspito, onde nenhum, ou pouquíssimos seres humanos pisaram.

Como eu vim parar aqui não é nada novo, chega a ser um clichê. Acabei me separando por ‘’alguns minutos’’ da minha trilha de amigos para tirar fotos de um ângulo diferente do pôr do sol, acabei me empolgando e ficando tempo demais, e ao me dar conta, o caminho já não era mais o mesmo. Ou melhor, todos os caminhos agora eram os mesmos.

Você pode ter uma idéia do quão fácil é se perder em tais trilhas invisíveis, principalmente quando as próprias têm de serem imaginadas; sendo referenciadas por pontos subjetivos que aguçam o consciente e despertam a atenção e a ansiedade, iludindo sorrateiramente a minha vaga mente débil e prometendo ao meu coração que eu não vou me perder, pois daquela grande palmeira coberta por grossos cascos secos de madeira eu não esqueceria. Não esqueceria.

Me tentando a correr o risco de ser mais ousado, buscava aventura, e encontrei nada menos que desespero e aflição.

Estaria indo totalmente contra a verdade se dissesse que creio Eu estar cem por cento em vida, por mais que possa me sentir em carne e osso, e sentir também lampejos latejantes de dor e cansaço entre tropeços e caminhadas, junto a mais mortal de todas as curas me acompanhando: à esperança, não acredito que eu esteja no mesmo plano terrestre em que me encontrava no que agora eu chamo de... minha vida passada. Porém, se à esperança fosse tirada de mim no momento em que percebi que de fato estava perdido, com certeza eu já teria me entregado a loucura de braços abertos e não sentiria um segundo sequer do tempo passando aqui. Porém eu sinto. Venho sentindo os demônios da lucidez sensorial do tempo há vinte e três anos neste maldito lugar.

Sinto que reencarnei no limbo, de corpo e alma. Mas uma pergunta vem martelando a minha cabeça desde o dia em que notei o quão errado estava todas as coisas em meio a este cenário tão absurdamente pacifico que me encontro. Três madrugadas sem uma gota de água, caminhando quilômetros e não sentia sede, muito menos fome, como quem num susto corajoso empurra o encosto da cadeira, eu me deixei enforcar com tal dúvida: Seria tão injusto eu vir a falecer sem poder ter certeza, que eu de fato morri?

Não quero causar confusões na cabeça de quem está lendo. Por mais que você não tenha idéia da confusão que estou vivendo ha 23 anos nesse mesmo lugar, sem água, sem comida, sem qualquer mudança além do sol e da noite enjoadamente indo e vindo. Imagino que em toda a existência da humanidade, eu não seja o único que tenha vindo parar aqui... imagino.

Não há contornos de montanhas verdes no horizonte, apenas um grande paredão azul fraco de dia e preto á noite armado pelo céu, sem nuvens, em uma terra arenosa, plana, que segue até onde os confins da mente, pelo menos não a minha, possa imaginar. A areia tem seu tom amarelado, com um tom sujo, assemelha-se a mijo escapado da bexiga de um cadáver pútrido. As noites não são frias tampouco o sol é quente, o clima é artificial, de uma forma que em momento algum me traz o agrado de uma boa tarde ensolarada, ou uma plena noite morna.

Notei que o céu não tem estrelas, não queria ter notado isso. A luz do sol é fortíssima, venho tentando a muitos anos de minha estadia aqui ao menos vê-lo em seu grande e acolhedor formato redondo, por mais de dois segundos que seja, mas digo que é impossível para estes olhos humanos. Não há animais, nem insetos, nunca avistei formigas ou percevejos, mal consigo me forçar a imaginar a imagem de pássaros no céu.

Um fato sobre estar aqui há tanto tempo, é que quando você passa anos sem dar-se ao luxo de ver certas coisas, como por exemplo: animais e prédios e um prato cheio de comida, você começa a apagá-las aos poucos da sua memória consciente. Sua mente vira uma desordem total, houve momentos em que fiz bagunças comigo mesmo das mais horrendas e pavorosas apenas lutando contra a agonia de não lembrar nenhuma das cores que contornavam as letras do Google. Coisas cotidianas do passado. Simples, tão distantes. O caos do nada pode ser desesperador. Mas no final, esta tudo sempre na memória, por mais que ás vezes eu demore alguns anos para relembrar. Os cheiros de tudo que não habitam este local eu me já esqueci por completo, mas este foi fácil de acostumar. Fácil... Por favor socorro.

As dunas que encorpam este deserto são monstruosas. Gigantes. Lisas e escorregadias, não há buracos no chão, mas ás vezes acabo por afundar o pé por completo na fina areia das partes íngremes nas tais subidas das dunas enquanto as transito.

Uma paranóia grotesca começou a vir em flashes na minha cabeça há pouco tempo, talvez para substituir os sonhos e pesadelos que não tenho, e é sempre nos vagos momentos aleatórios em que meu pé é sugado pela areia, enquanto migro escalando arduamente pelas dunas inclinadas. A imagem de eu marchando em escalada pesadamente por estas colinas de areia amarela, enquanto meu peito infla para frente e para trás como um lutador no ringue, meu pé mais uma vez sendo afundando para dentro da areia, porém desta vez sem ir de encontro com a parte solida deste chão arenoso. O peso do meu corpo é depositado no pisar em falso me sugando com a força da gravidade em direção ao vácuo, a escuridão, um eterno cair sem fim no infinito do vazio eterno. Sendo absorvido pela terra, para o lugar de retorno de toda alma antes de se confinar no útero.

Bom. Esta é minha última folha deste pequeno caderno escolar, no dia em que me perdera na trilha para cá parecia tão indiferente, sem importância. Agora é basicamente o meu tudo, e este é o fim do seu ciclo. Talvez tudo seja isto, não é mesmo? Ciclos, fins e começos. Uma idéia de que o começo de algo grandioso possa vir a acontecer agora (momento em que estou nas partidas finais de terminar o meu ciclo com este caderno, minhas escrituras) esta mais forte do que nunca. Quem sabe se eu não tivesse terminado no meu primeiro ano neste inferno eu já não teria saído daqui, não?

Mas minha saída esta muito próxima e eu conto a vocês por que.

Enquanto eu vagava tediosamente em passos rotineiros e cansativos pela areia deste cárcere, notei algo inédito; a areia abaixo de meus pés ficou mais sólida, quase como pisar em barro seco, o pisar que antes era rastejante e solto, escorrendo como um rio arenoso entre meus dedos do pé não era mais o mesmo.

Parei de imediato ao notar isso, meu coração acelerou-se, fui de encontro ao chão e comecei a tatear, jogando chumaços de areia seca e solta para os quatro cantos. Algo estava errado, a Loucura acabava de escorregar comigo em seus braços, e esta era minha chance. Tinha de ser. Procurei ligar a minha mente, tira-la do automático e reparar ao meu redor. Era uma tarefa difícil de fazer, levando em conta que tudo continuava tão igual há tantos anos; menos o chão. Agora sentia que meu pisar era outro, meus ossos estavam acostumados á um tipo de areia por anos a finco e esta definitivamente não era a que meus pés comungaram um pacto. Podia ser apenas uma esperança vã, que me empurraria precipício abaixo e mataria qualquer sobra da minha sanidade por completo se não tivesse qualquer significado, mas eu tinha que tentar, precisava encontrar algo nessa quebra de padrão. Meu coração batia cada vez mais rápido. Tentei notar meras mudanças, mas não havia nada. Maldição.

Notei uma grande duna há alguns quilômetros de distancia à minha frente, e com uma grande puxada de ar e um olhar desafiador tornei a correr em sua direção, alguns minutos depois, estava subindo-a. Minhas canelas ardiam, meus pés já haviam se acostumado com a dor, mas a pressão nos ossos era inevitável. Era uma subida difícil, e eu sentia como se a própria duna debochasse dos meus esforços em busca de algo em meio ao nada. Porém, chegando ao topo, lá estava!

Não acreditei.

Peço perdão, pois agora realmente minhas linhas estão nas suas retas finais. Mas preciso contar para quem quer que seja o que eu encontrei. E espero que se você se encontra na mesma situação que eu, não enlouqueça... apenas caminhe. Estou aqui há vinte anos, e o que eu encontrei pode ser minha saída desse lugar. Já na descida da duna, na parte plana, agora havia uma pequena portinhola de madeira no meio do deserto...

Me encontro ao lado dela no momento, e há poucos minutos atrás quando avistei, estava em plena felicidade, infelizmente não há espaço para transcrever o que senti ao avistar meu caminho para a liberdade, minha salvação. Porém, agora, ao me aproximar estou receoso. Muito receoso, pois vejam só, quando estava prestes a puxar a maçaneta enferrujada para abri-la, em algum lugar... lá embaixo, ouvi um grito. Rapidamente tirei a mão da maçaneta, e com um instinto de curiosidade gritei novamente para quem quer que tenha me gritado lá de baixo, porém... outro grito surgiu em um crescente notável desespero, muito diferente do primeiro, gritei mais uma vez e três novos gritos surgiram de repente. Aos poucos novos gritos em diferentes tons foram entrando em sintonia lá abaixo da portinhola, um maldito coral desesperado implora por mim lá embaixo, como se eu fosse Deus, uma salvação ou algo do tipo, e eu do fundo do meu coração não sei o que faz...

Autor: Guilherme Bueno

10 comentários:

  1. Tipo, pelo que entendi ela já estava morto todo esse tempo no deserto, e essa caminhada provavelmente foi um castigo e agora ele estava chegando no inferno "portinhola de madeira" onde todo mundo passou pela mesma coisa que ele...

    ResponderExcluir
  2. PRGDL02022

    Gostei, muito boa! Uma continuação seria bacana, não que esse final tenha ficado ruim.

    ResponderExcluir
  3. Faz 23 anos que está no deserto. Esta com saudade até do google. Mas caraleo, o google tem 21 anos! Masturbou a cabeça descrevendo de maneira cansativa e deu uma merda de desfecho. Agora no blog, basta escrever qualquer devaneio e pronto, é uma creepy. Vá cagar!

    ResponderExcluir
  4. Faz 23 anos que está no deserto. Esta com saudade até do google. Mas caraleo, o google tem 21 anos! Masturbou a cabeça descrevendo de maneira cansativa e deu uma merda de desfecho. Agora no blog, basta escrever qualquer devaneio e pronto, é uma creepy. Vá cagar!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Por que ao invés de você buscar detalhes para criticar você não escreve um devaneio mais interessante?

      Excluir
    2. Muito boa, no início estranhei esse linguajar mais rebuscado mas combinou com o desenrolar da história! Sem contar esse tema de realidades alternativas/vida após a morte que é sempre interessante. Parabéns!

      Excluir
  5. Muito boa, no início estranhei esse linguajar mais rebuscado mas combinou com o desenrolar da história! Sem contar esse tema de realidades alternativas/vida após a morte que é sempre interessante. Parabéns!

    ResponderExcluir
  6. Interessante, adoro realidades alternativas. Achei que ele poderia estar em coma.

    ResponderExcluir