02/04/2020

Gostaria de ouvir uma história?

Quando o garoto dobrou à esquina sabia que não podia ir muito longe, fugindo dos três caras que estavam-lhe perseguindo. Correu mais um pouco, viu um quintal cheio de móveis velhos espalhados por aquele gramado alto e se escondeu atrás de um guarda-roupa caído de lado. Levantou a cabeça um pouco, para observar, quando eles pararam bem próximos do local e começaram a cochichar que logo o pegariam e saíram caminhando. Aliviado, suspirou um pouco e ficou examinando a casa diante dos seus olhos, mas logo surgiu o proprietário, observando o garoto e os outros demais que estavam se afastando. Nesse momento, a criança colocou o seu dedo entre os lábios pedindo para o senhor ficar em silêncio.

- O velho assentiu com a cabeça e aguardou um tempo para começar a comentar. Perguntou, ao garoto, o que estava acontecendo e logo teve sua resposta sobre uma fuga para evitar uma surra no final do horário do colégio. Finalmente o garoto preparou-se para sair. Preocupado, o proprietário do local disse para ele ficar mais um pouco, porque eles poderiam estar próximos. Sem muitas escolhas, o garoto concordou sentando-se novamente, esticando suas pernas e colocando a mochila em cima das suas coxas. Curioso, perguntou porque existia tanto os móveis na frente da casa do senhor, e ele respondeu que são apenas coisas velhas que não consegue jogar fora ou queimar atrás do seu imóvel.

"Obrigado por não me expulsar ou falar que eu estou me escondendo aqui. O senhor mora sozinho nesse lugar? Nunca passei por essa parte da cidade, mas, como tava fugindo, não tinha muita escolha. - agradeceu e tentou se comunicar com o seu salvador, abrindo e fechando o zíper da sua mochila para aliviar o seu estresse.

"Não precisa se preocupar. Valentões, certo? Conheço muito bem eles na época do colégio, mas você não parece ser aquele tipo de nerd covarde, é um garoto até forte e alto." - Os seus lábios assobiaram enquanto ele repousava suas mãos em cima de uma mesa, com vidro quebrado, e observando às ruas.

"Eu não sou covarde, nem nada do tipo, só não quero machucar ninguém. Nunca serei esse tipo de cara que se sente especial no mundo mostrando que é o dono do pedaço, prefiro evitar do que usar a força; porque poderia muito bem acabar com aqueles otários!" - pareceu irritado tirando um livro de capa fina de dentro da mochila e abrindo-o na parte que estava marcada onde parou sua leitura.

"Ah, é claro, não queria ofender. E a propósito, esse é um livro de terror? Gosto de coisas desse estilo, sabe? Desde criança, contudo não é nem tudo que me assusta, com exceção de uma história que eu ouvi." - expulsou suas palavras com aquela mesma expressão sabendo que, quem estava ouvindo, desejaria saber mais por causa de um ar atraente de esmero.

"Do que é que está falando? Poderia dizer mais? Não vai custar nada!" - O seu rosto se contraiu visivelmente interessado, guardou o livro, que havia aberto em uma certa página, e fixou aquela figura pronta para abrir a sua boca.

"É um conto que envolve um garoto, como você. Faz muito tempo, e não lembrou com clareza todos os detalhes. No entanto, posso contar a história sobre uma coisa que não tem nome ou forma, essa gosta de roubar as partes das pessoas e usar para ela continuar consumidondo todos como se fosse uma corda sendo queimada por chamas. A coisa nunca para e precisa que mais alguém compartilhe a sua existência para ficar perseguindo todos... A história é muito tensa e, se você estiver a fim de conhecer, consequências ficam por sua própria conta. Pode ou não ser verdade." - O velho foi se aproximando do garoto aos poucos. Tudo o que dizia parecia apagado pelo vento, que estava desbotando sua roupa, e espalhando os cabelos do menino sentado no gramado.

"Isso aconteceu há muito tempo, em um entardecer, quando o sol já estava desaparecendo. Um certo menino encontrou alguns ciganos, essas pessoas que ficam vagando pela cidade e em todos os locais, até desaparecerem como se não existissem. Um deles chamou sua atenção, não muito velho e não jovem, e disse que tinha algo para contar ao garoto. Apesar dos demais ficarem incomodados com o que ele tinha para compartilhar. Como qualquer criança da sua idade, curiosa, chegou ainda mais perto para saber mais. O cigano disse sobre um cara, na verdade, não tinha como descrever aquilo. Falava que ele consumia todos. O único obstáculo que poderia afastar a coisa são barulhos e iluminação. Geralmente, aparece durante à noite, só basta saber que a coisa existe para começar a perseguir mais alguém. O garoto não ligou a princípio porque aparentavam serem mais um grupo de bêbados. Então, ele disse a história para os seus pais e o seu erro começou naquela ocasião..."

"Naquele final de dia, o seu pai ficou visivelmente irritado e foi atrás dos sujeitos, que haviam desaparecido no extremo da estrada que sai da cidade. A sua mãe deu de ombros, porque não era tão nervosa quanto o seu marido. A noite passou, e todos foram dormir, mas o garoto estava com um pressentimento ruim e acabou apagando logo após alguns minutos com a casa toda escura. Após algumas horas de sossego noturno, acordou com um sentimento sufocante de agonia e viu que tinha algo em comum no seu quarto... parecia o seu cachorro, porém era maior, os pelos estavam faltando, com exceção da parte de baixo da sua cabeça, mostrando um destaque bem maior do que o normal."

"O garoto chamou pelo nome do seu animal. No mesmo segundo que sua boca estava se fechando após completar as palavras, ele se moveu. Estranhamente, pareceu aguardar o motivo para se locomover. Em sua boca estava saindo fluido e ele foi caminhando de forma descomunal, cada vez mais próximo. Existe um limite entre a luz da janela e o local escuro e, cada vez, foi percebendo, enquanto aquilo se aproximava, que não era o seu animal. Logo ouviu, aos poucos, vozes pedindo socorro. Sorrateiramente, outras partes daquela criatura saíram do seu corpo, braços e pernas humanas se movendo asquerosamente como aranhas. Então, a coisa mostrou uma parte do seu rosto... imitava a cabeça de um homem, sua boca estava quebrada para o lado e sua língua jogada, cobrindo seu rosto. Sangue não parava de pintar o carpete do chão de caligem. Na tentativa de pedir socorro com suas mãos, o garoto acendeu o abajur próximo da sua cama, e aquela coisa gemeu quando seu corpo foi iluminado e logo desapareceu."

"Não demorou muito para a luz clara do seu quarto ser substituída com iluminações vermelhas, e a polícia arrombar a porta e encontrar o garoto assustado, suando e aflito. Os outros homens solicitaram socorro assustados com algo que eles viram naquela noite. Desde aquele dia, ele nunca soube com todos os detalhes o que havia acontecido ao certo com os seus pais. De acordo com os seus tios, sua família havia sido morta por algum invasor, que mutilou os seus corpos brutalmente como animais; mas ele poupou a criança por alguma razão. Até hoje, ele continua sabendo que aconteceu e não consegue ficar em lugares escuros, principalmente à noite, porque a coisa está aproximando-se e continua chegando mais próximo."

- Naquele instante, o garoto gaguejou para perguntar como a história acaba e o velho ficou em silêncio por alguns segundos, e disse que ela não havia terminado. O clima silencioso ficou por todo o lugar e o vento não parava de soprar entre os cômodos que se espalhavam naquele quintal. Sem explicação alguma, o velho mudou a fisionomia e pediu para ele sair, disse que talvez fosse apenas coisas na cabeça daquele garoto triste e com problemas sérios, também pediu desculpa se a história fosse verdade porque a coisa poderia agora ter mais um condenado para atormentar. O jovem não precisou ouvir mais palavras para saber que deveria retirar-se. Antes de se despedir, perguntou se o idoso ficaria bem e ele disse que sim; porque, de acordo com a história, essa noite o menino do conto enfrentaria os seus medos e deixaria todas ou qualquer iluminação da sua casa apagada e encararia aquilo que se transforma nas sombras dos seus móveis no crepúsculo.

- Por alguma razão, o garoto não desligou o abajur. Ficou com um sentimento preocupante de premonição para algo ruim dentro da sua casa, mas tentou adormecer e sentiu necessário de não dizer para os seus pais, e a sensação nauseante em sua mente não daria sossego tão cedo. No dia seguinte, captou sua mãe acordando e dizendo que estava atrasado para o colégio. Um suspiro aliviado fez os seus medos desaparecerem, porque, por alguma razão, havia acreditado nas palavras daquele velho. No início desta manhã nublada, apesar do atraso para chegar no colégio, passou naquela casa, bateu a porta e ninguém respondeu. Notou que a residência estava destrancada e entrou, caminhou pelos cômodos com cheiro forte de madeira podre, subiu as escadas, empurrou uma porta e encontrou o velho deitado na cama.

A janela estava com pregos ocultando qualquer iluminação com um monte de trapos. Estava escuro o suficiente, mas não tão obscuro para chegar o suficiente mais perto. Os seus olhos logo observaram, encostando naquele leito, que o velho estava com suas mãos abertas, os dedos atrofiados como se estivesse sido dobrados, uma das pernas esticadas até o final do colchão, ultrapassando o limite do jirau para o lado direito e a outra faltando e sem sangramento; o seu peitoral para frente e a boca terrivelmente aberta, os seus olhos se tornaram tão repugnantes que ele não conseguiu observar nada além daquilo. Mas, parecia que, antes de morrer, ele estava vendo algo no canto do quarto. Os seus olhos aterrorizantes acompanharam a forma que a cabeça daquele homem estava virada para encontrar o que ele viu antes da morte...

- Murmúrios logo ocuparam o quarto como uma multidão aplaudindo e roubando o silêncio que esteve ali, o barulho de goteira, o rangido das madeiras, o odor de decomposição de uma casa consumida pelo tempo e uma coisa se movimentando... antes parecia como qualquer outro móvel quebrado e esquecido, contudo, se moveu como um animal. Sem muita demora, se posicionou como um homem como qualquer outro: muito alto, os pelos, embaixo da sua cabeça era um nada além de couro cabeludo. A coisa abriu a boca e uma língua enorme saltou cobrindo o seu rosto. Os seus braços se abriram e logo outras pernas, rosto e mãos surgiram por todo seu corpo. Então, o garoto saltou para trás, caindo longe pelo pavor e se arrastou suficiente para escapar. Encontrou abrigo em uma parte mais iluminada e escapou.

- O mínimo que poderia fazer, era anunciar uma chamada de emergência em anônimo sobre um idoso precisando de auxílio. Aguardou, afastado o suficiente e escondido, a polícia entrando no local, e demorou algum tempo para uma ambulância chegar e guardar o seu corpo em plásticos de morte iguais às cenas de um crime. As coisas naquele dia ficaram ainda piores porque a vingança dos valentões não foram nada próximas que aquela sensação de perseguição que o garoto notava e tinha noção que algo lhe estava observando em todos os lugares que estava indo. Apesar das primeiras pancadas naquela manhã, no entardecer, eles desejavam mais: os nojentos esperaram prontos para expulsar suas frustrações pessoais contra alguém indefeso. Antes de receber os socos e ter o seu dinheiro roubado, o garoto disse que tinha algo para contar, uma história e eles ficaram curiosos. Enquanto estava tendo só a camisa dobrada contra a parede, em mais uma rua vazia, ele movimenta os seus lábios e começou a dizer sobre uma coisa...

Autor: Sinistro

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