03/08/2015

Anna

Ele gostava de fazer trabalho voluntário na ala de psiquiatria do hospital da sua cidade. Na verdade, ele era um corretor de ações, mas tanto stress o fez procurar uma válvula de escape. No passado, ele sempre recorria à bebida para diminuir a pressão, mas com o uso contínuo, acabou chegando a lugares que ele nunca mais queria alcançar.

Não sabia o motivo de gostar tanto do hospital, ele não era muito fã dos malucos que precisava ajudar; na verdade, ele pensava que a maioria dos pacientes eram casos perdidos... Então, ele acreditava que Anna era o motivo pelo qual ele sempre retornava. Anna era uma pequena garota, talvez dez ou – no máximo – doze anos de idade. Ela não deveria ficar na mesma ala que os adultos, mas a cidade era pequena e não havia recursos suficientes para uma ala separada. Ele se sentia mal pelas crianças que eram obrigadas a conviver com esses doentes psicopatas... Ou se sentiria se Anna não fosse a única com menos de trinta e cinco anos.

Anna era, provavelmente, a pessoa com menos problemas daquele hospital. Ela tinha ataques de ansiedade horríveis, toda vez que saia do prédio. Eles diziam que se ela saísse mais, provavelmente morreria de tão grande que seria o choque. A única coisa que fazia ela se sentir melhor era conversar, então, ele conversava com ela por horas, e acabava quase sempre em tópicos estranhos. Sentia uma necessidade de saber tudo sobre ela, um desejo que talvez ultrapasse os limites do que era supostamente certo naquele relacionamento. Mas Anna parecia tão feliz quando eles conversavam que ele não conseguia ficar longe por muito tempo... A garota só se irritava quando ele perguntava os motivos pelos quais ela estava lá, e com o tempo, ele sentiu que, se ela soubesse a razão, ela mesma contaria com o tempo, e que se ele continuasse insistindo, a amizade dos dois poderia acabar.

A conexão deles cresceu a cada dia, eles eram tão próximos quanto irmãos e irmãs; ele não era mais voluntário, deixou sua turma e passou a visitar o hospital todos os dias, só para estar com ela, e parecia a ajudar com a ansiedade.

Um dia ele a encontrou abraçando uma bola no final do corredor, chorando silenciosamente para si mesma. Quando ele perguntou o que estava acontecendo, ela finalmente disse o motivo pelo qual ela estava no hospital.

Ela e a mãe haviam sofrido um acidente de carro por causa de um motorista bêbado; a mãe acabou morrendo e ela precisou ser hospitalizada, e não conversava com ninguém na maior parte do tempo – na verdade, ela havia começado a se comunicar pouco tempo antes dele começar o trabalho voluntário – .

Tocado pela ideia de que ele poderia ter ajudado em alguma parte do processo de recuperação de Anna, ele se sentiu corajoso o suficiente para perguntar se eles conseguiram encontrar o assassino. Ela disse que não, e que por isso ela não poderia sair do hospital, “Tenho medo que ele procure por mim...” Ela disse. Ele tentou confortá-la, disse que o motorista talvez nem lembrasse o que havia acontecido e que provavelmente não iria atrás dela, mas nada funcionou. Finalmente, em um momento de desespero, ele prometeu que mataria o motorista caso ele tentasse se aproximar da garota. Aquilo despertou a atenção de Anna, e mesmo que ela tenha ficado chocada pela demonstração de brutalidade, aquilo fez com que ela parasse de chorar.

O resto do dia correu normalmente, mas ele decidiu que conversaria com o médico de Anna antes de ir embora.

Nunca havia conversado com ele antes, mas todos naquela ala o conheciam, então, ele resolveu se apresentar. Quando ele perguntou sobre Anna, o médico parecia extremamente ansioso para ouvir o que ela havia dito, aparentemente, ninguém sabia o motivo pelo qual ela estava lá, eles apenas a encontraram, sangrando, perto da rodovia.

Surpreso, ele resolveu contar a história de Anna, e no final o médico recostou em sua cadeira e disse: “Richard, o que você está me contando é muito sério... Não existe ninguém com o nome de “Anna” nessa ala. Você teve um ataque nervoso recentemente, e têm vindo ao hospital para sessões com o psiquiatra. No entanto, você têm apenas piorado, não melhorado... Desde a última visita você não saiu do hospital. Isso foi há um mês... Diga-me, Richard, lembra-se da última vez que esteve no trabalho?”

Que pergunta IDIOTA! Claro que ele se lembra... Não, ele saiu de férias do trabalho pra passar algum tempo com a Anna! Como ele se esqueceu disso? Mas o médico apenas fez que não com a cabeça. “Você foi forçado a tirar uma licença do trabalho e visitar o psiquiatra esporadicamente. Nós acreditamos que você tenha algum trauma, e que as lembranças talvez tenham causado esse ataque, e consequentemente algumas alucinações. Pelo que você me disse agora, estou quase certo de que você foi responsável por um acidente enquanto dirigia bêbado...”

Ele ficou parado, seu rosto congelado e sua expressão em choque. Isso era impossível, ele havia parado de beber... Logo quando ele começou o trabalho voluntário no hospital... Não... NÃO! Ele não fez isso, mas as memórias pareciam estar voltando, as luzes dos faróis e os momentos rápidos e confusos daquele acontecimento.

Foi aí que ele as viu, como se as memórias tivessem reduzido de velocidade e passassem em câmera lenta. A garota de dez anos de idade gritando no banco do passageiro.

Quando ele abriu os olhos novamente o médico não estava lá, Anna estava sentada no lugar dele; nenhuma palavra saia da boca dela, ela apenas o encarava. Ele encarou de volta por um momento e olhou para baixo, fechando os olhos novamente um momento depois. Ele se sentia tão culpado, e ele havia feito uma promessa.

Richard pegou uma tesoura.



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