28/06/2018

Chamado do Além

Eu era apenas mais uma menina comum, que estava adentrando na tão temível adolescência, porém diferentemente do que se espera de uma jovem em fase de autoconhecimento eu era muito confiante e segura de si e acreditava ser muito mais inteligente e corajosa que todas as outras meninas da minha idade.

Eu costumava empinar o nariz e estufar meu peito, em todas as oportunidades, possíveis para dizer que eu era corajosa e que não tinha medo de nada. Tirava foto com os animais perigosos e peçonhentos que eu encontrava por aí nas matas, quebrava regras, arrumava briga na escola e praticava qualquer outro tipo de ato arriscado que me fizesse parecer ainda mais destemida e “descolada”.

Com o passar do tempo, os meus amigos começaram a perder o interesse pelas minhas loucas aventuras, eles pararam criar desafios mirabolantes para comprovar a minha coragem e inflar ainda mais o meu ego. Como já não estava mais recebendo toda a atenção desejada em casa e na escola, eu resolvi procurar novas emoções em outros lugares e propagar a minha verdade na internet.

Eu visitava todas as páginas da internet, perfis em redes sociais, fóruns, e vídeos no YouTube que tinham como tema o terror e o sobrenatural. Eu costumava zombar do conteúdo daquelas páginas e fazer comentários sobre o quanto aquelas histórias eram ridículas, e as pessoas que as escreviam mais ainda, por dizer - e acreditar - que coisas assim realmente existiam.

Nem mesmo eu sei dizer quantos comentários eu fiz ou o número de endereços eletrônicos que eu visitei durante esse tempo, só sei que com o tempo fui ganhando certa fama nesse meio de divulgação sobrenatural como: a “Cética” ou o “São Tomé de saía”.

Eu segui contente com o meu novo trabalho de crítica e cética da internet. Até o dia em que um desconhecido, que eu nunca havia visto no fórum, respondeu a uma de minhas postagens.

Eu abri a mensagem, julgando que se trataria apenas de mais uma dessas discussões corriqueiras que eu costumava ter com outros membros do fórum, quando por horas eu tentava convencer a todos do meu ponto de vista.

Gostava de demonstrar o quanto eu era racional e inteligente por não acreditar nessas “lendas” e “mitos” inventados enquanto boa parte do mundo era “idiota” o suficiente para acreditar que esse tipo de coisa realmente existia. Eu me sentia superior por ter uma inteligência privilegiada e fora do comum ao pensar mais racionalmente que todas as outras pessoas.

Porém, a pessoa que respondeu a minha postagem daquela vez parecia ser diferente das outras demais. Ela não parecia estar interessada em discutir ou tentar me convencer do seu ponto de vista. Ela apenas me propôs que eu cumprisse quatro desafios.

O primeiro desafio era algo simples: o anônimo me pediu para que ficasse em silêncio no meu quarto, totalmente escuro, no exato momento que o relógio marcasse três horas da manhã.

A princípio eu pensei em caçoar da “brincadeira” e dizer que aquilo era um desafio ridículo, que não provaria nada, mas como várias outras pessoas do fórum também comentaram na aba me

incentivando e me desafiando a fazer o que o anônimo dizia. Decidi aceitar o desafio, pois seria mais uma chance de provar que eu estava certa.

Então, a noite eu fiquei em trancada no meu quarto com o corpo enrolado na coberta devido ao frio e o celular em minhas mãos, pelos números do relógio digital que ficava na cômoda ao lado da cama eu pude ver que faltavam poucos minutos para as três da manhã. Apesar de eu não ter visto nenhum fantasma ou ter presenciado algum evento sobrenatural á lá poltergeist. Eu senti um sentimento nostálgico e familiar naquela hora, como se alguém passa-se a mão sobre os meus cabelos em um gesto carinhoso. Gesto que eu já não sentia a muito tempo, desde a última vez que vi o meu Tio Roberto a anos atrás.

Apesar daquele estranho acontecimento eu não me deixei abalar, liguei a luz do abajur, puxei as cobertas - que eu acreditava serem as responsáveis por aquela estranha sensação na minha cabeça, visto que, eu estava completamente coberta dos pés a cabeça naquela hora - tirei uma foto do relógio digital que marcava 3:02 AM e em seguida tirei uma selfie minha de pijama, com um sorriso convencido no rosto e um sinal de vitória nas mãos.

No dia seguinte mandei as evidências para o fórum da página, com uma mensagem presunçosa e pedi ao desconhecido para me mandar o próximo desafio.

Ele logo me enviou o segundo desafio, desta vez um pouco mais complicado que o primeiro, eu deveria acender duas velas em conjunto e colocar um objeto pessoal importante sobre uma superfície abaixo de um espelho e esperar sozinha no local com as portas e as janelas fechadas até a meia noite e então, de olhos fechados, perguntar a pessoa que havia me dado o objeto se ela estava na sala.

E assim eu o fiz, fui ao cômodo mais afastado da casa, o antigo escritório do meu pai, que estava vazio desde que ele havia saído de casa ao se divorciar da minha mãe a dois anos, e coloquei o espelho médio que havia trazido do meu quarto apoiado na antiga mesa de madeira e as velas e o objeto pessoal que eu havia trazido na frente do espelho.

Conferi o horário no meu celular, faltavam dois minutos para meia noite. Fiquei de pé de frente para espelho e fitei o objeto que eu havia trazido: uma antiga edição encadernada do livro de Alice no país das maravilhas, que eu havia ganhado do meu tio há muito tempo. Acendi as velas e fechei os olhos e então perguntei em voz alta ao meu tio se ele estava lá, não vou negar que eu me senti meio idiota ao fazer isso afinal eu estava completamente sozinha dentro da sala.

E apesar de não ter visto nenhum fantasma ou evento sobrenatural novamente, devo dizer que fiquei com um pouco de medo quando escutei o barulho alto de um baque surdo, como se algo se fechasse rapidamente. Abri os olhos um pouco assustada e percebi que as velas haviam se apagado e o livro havia se fechado sozinho.

Passado o susto eu ri sozinha, puxando o celular de cima da mesa e tirando outra selfie de pijama em frente o espelho, com um sorriso convencido embora um pouco afetado e outro sinal 'V' de vitória com os dedos.

Recolhi o livro e o espelho e fui para o meu quarto dormir, acreditando que eu não havia fechado devidamente a porta e a janela do escritório e por isso o vento havia apagado as velas e fechado o livro.

Ansiosa para conseguir terminar todos os desafios o mais rápido possível, fui até o fórum no dia seguinte com as novas evidências e perguntei ao anônimo qual seria o próximo desafio. Ele me disse para que eu esperasse até o próximo fim de semana para saber o que fazer.

A semana passou bem rápido, especialmente comigo grudada nas redes sociais todos os dias para o caso de o anônimo mudar de idéia e resolver me dizer o que fazer antes do tempo, porém dessa vez ele não entrou em contato comigo e nada aconteceu.

Eu somente sai da frente da tela do computador quando ouvi o telefone fixo tocar na sala. Atendi ao telefone um pouco surpresa ao notar que aquele era o número do meu tio. Ele me ligou me convidando para visitá-lo na Argentina. Sorri lhe dizendo que iria visitá-lo em sua casa em Puerto Íguazu assim que entrasse de férias na escola.

- Você promete?

- Sim, tio eu prometo. Que assim que sair de férias na escola eu vou visitá-lo onde estiver - disse me despedindo e desligando o telefone, logo em seguida.

Esperei até o fim daquela noite de sábado e não recebi nada, tirei uma foto com um sorriso um pouco cansado mas ainda presunçoso fazendo um sinal de vitória nas mãos e fui me deitar.

O dia seguinte se passou e o anônimo não fez novo contato. Foi somente na segunda-feira que ele mandou um “oi” no privado.

- Fiquei esperando pelo seu contato o fim de semana todo - digitei - Você disse que iria me contatar para me dizer o próximo desafio...

- Você já cumpriu o próximo desafio - respondeu ele.

- Então...presumo que os desafios já estejam acabando e que todos os testes que já fiz até então tenham provado que não existem fantasmas.

- Como assim? Você fez os três testes e ainda não acredita em espíritos?

- Sim! Já estou quase vencendo a aposta! Hahahaha! - ri vitoriosa, tanto dentro quanto fora da tela.

- Bem, então acho que você já “venceu” pois eu não posso lhe passar o quarto desafio sem que você tenha entendido os outros três.

Me irritei com a sua resposta pois achei que ele só estava tentando dar uma desculpa para não admitir que estava errado e que eu já havia vencido a aposta.

- Pois então peço que me explique! Porque realmente não estou entendendo o “propósito” do seu desafio.

- Pois bem...Então vou lhe explicar tudo...Lembra-se de quando fez o primeiro teste? E você teve a sensação de uma mão lhe afagando os cabelos?

- Sim...- respondi curiosa.

- Certo - continuou o anônimo - Aquele era o espírito de uma pessoa importante para você, um espírito bom que tem muito carinho e afeição por você e por isso afagou-lhe os cabelos.

Fiquei estática! Como ele sabia daquilo?

- E lembra-se da segunda vez? As velas se apagaram e o livro se fechou sozinho, não?

- Sim... - respondi começando a ficar receosa.

- Então...Foi a alma desencarnada da pessoa a quem você chamou que fechou o livro e apagou as velas quando o seu espírito passou pela sala.

Apesar de não acreditar em fantasmas, eu comecei a ficar com medo. Como ele sabia que essas coisas haviam acontecido?

Eu não havia contado para ninguém.

- Não sei como você adivinhou todas essas coisas - digitei já começando a entrar em pânico, pensando que ele poderia ser algum stalker ou coisa assim - Mas não sei se quero fazer o terceiro desafio...

- Mas você já o fez.... - digitou o anônimo.

- Como assim? - digitei desconfiada.

- O terceiro desafio era fazer contato com um morto...e você o fez!!!

- Não, eu não fiz!!!

- Sim, você fez. O seu Tio Roberto sofreu um acidente enquanto estava sozinho em sua casa a dez dias atrás...antes de todos os desafios começarem.

- Mas não pode ser! ninguém avisou nada, ninguém soube de nada! Você está mentindo.

- Não, não estou. Ninguém comunicou nada ainda pois ainda não sabem que ele morreu, ele mora em uma parte muito afastada da cidade, você sabe...os parentes não o viam já a algum tempo e por isso não estranharam, ninguém sabe ainda que ele morreu. Pois só vão descobrir isso agora quando eles forem visitá-lo na casa dele e encontrarem o seu cadáver já em estado de decomposição.

Não pode ser! Eu já ia começar a chorar, quando a minha mãe entrou no meu quarto chorando com o telefone na mão.

Meu corpo começou a tremer e eu desabei no chão, começei a chorar pois eu sabia exatamente qual a triste notícia que ela me daria.

Assim que conseguimos nos acalmar e a minha mãe saiu do quarto, eu me dirigi ao computador e ainda chorando enviei a próxima mensagem.

- Qual o próximo desafio? - perguntei.

Eu tinha que saber! Eu precisava saber! Eu tinha que acabar logo com isso!

- Cumprir a promessa que fez ao seu tio...A alma dele estava triste e sozinha, mas depois que você começou a contata-lo e fez a sua promessa ele se sentiu mais alegre...

- Está bem...Eu lhe envio a foto daqui a dois meses.

- Obrigada - respondeu ele, antes que eu desligasse o chat e fechasse a aba do fórum.

Dois meses depois, assim que entrei de férias pedi a minha mãe para que fôssemos a Puerto Íguazu para rever a família e visitar a casa e o túmulo do meu falecido tio. Ela concordou em fazer a minha vontade e em dois dias chegamos a cidade.

Quando cheguei a cidade eu fui visitar o túmulo o mais rápido que pude, levei um livro de Alice no país das maravilhas e um buquê de flores brancas como presente e pedi perdão por não ter podido estar com ele nos seus últimos momentos. Eu rezei para que sua alma descanse em paz e sai do cemitério, já fora do solo sagrado. Eu retirei o meu celular da bolsa de mão e tirei uma foto em frente aos portões do cemitério.

E naquela noite coloquei no fórum, aquela que seria a minha última contribuição naquele site, naquele e em qualquer outro do gênero.

Eu publiquei a minha foto as portas do cemitério no fórum, eu estava vestida com um vestido preto rodado, meias escuras e saltos baixos pretos, havia algumas marcas vermelhas em meu rosto por causa do choro mas não incomodei, nem na hora e nem agora, eu estava com o meu típico sinal de vitória em uma das mãos e um sorriso no rosto.

Um sorriso diferente de todos os que eu havia me habituado a dar ultimamente. Não era um sorriso convencido, debochado ou presunçoso mas um sorriso simples, um sorriso simples e modesto de alguém que havia apreendido uma valiosa lição e estava feliz por isso.

E abaixo da foto eu coloquei a seguinte legenda: “Acredite no Inacreditável. Pois existem mais coisas entre o céu e a terra do que a nossa vã filosofia é capaz de compreender”

Depois disso. Eu saí do fórum e fui as configurações do site para excluir a minha conta naquela página, no entanto, momentos antes de excluir a minha conta, recebi uma notificação no meu perfil dizendo que o anônimo havia respondido a minha postagem.

Fui verificar a resposta. E a resposta que eu li, jamais irei esquecer.

“ ^_^ Muito obrigada Lilica, por tudo”

Jamais irei esquecer porque a única pessoa que conhecia esse antigo apelido de infância, era a mesma pessoa que o havia me dado á muito tempo atrás...O meu falecido Tio Roberto.

Autor: Aileen Rhiannon

8 comentários:

  1. Deu uma tristeza no final :(
    Ótima Creepy

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  2. É uma história muito boa!
    Eu não posso deixar de ser chata: a autora tem uns probleminhas com pontuação que quebram o ritmo do texto e ela emprega umas expressões erradas de vez em quando.
    Sóóó que isso deu uma veracidade muito estranha ao texto.
    O passo da história, a forma como foi escrita e o tom do final fazem parecer mais com um relato de algo que a autora viveu do que uma creepypasta 100% artificial.
    Bem bacana.

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  3. Caiu uma lágrima e me arrepiou toda. Muito boa 10/10

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  4. Peguei o "tcham" da creepy bem no meio, mas achei muito boa sim (e sad tbm) :/

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  5. "Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia".
    Ótima referência a Hamlet e ótima Creepy. Chega a ser tocante a perfeita harmonia criada entre terror e drama nessa Creepypasta.

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