21/10/2017

A Outra Rede

Rumores sobre a Outra Rede tem existido por algum tempo, mas acredito que eu sou a primeira pessoa a investigá-los propriamente. Estou certo de que sou o primeiro a compartilhar o que descobri. Eu não vou forçar tudo pela sua garganta e fazer com que pareça ser maior do que é, nem vou te dizer tudo que vi. Eu não vou responder quaisquer mensagens sobre o assunto, mas vou deixar instruções para vocês que tiverem motivação o bastante para refazer minha viagem.

Não sei se você já esteve em North Wales. Muitas montanhas e vales, e poucas grandes cidades. Em sua maioria, comunidades rurais. Eu visitei um amigo em Bangor algumas vezes, então eu sabia o caminho para a costa. De lá, foi uma questão de ir para o sul, para o sopé do Monte Snowdon.

Demorou algum tempo para encontrar o velho centro de pesquisas. Foi abandonado há anos, e por isso seu endereço não estava em meu SatNav, mas alguns dos moradores da região que saíram para fazer trilha me mostraram o caminho certo. Se você planeja ir até lá, te aconselho a fazer o mesmo. É fácil se perder nessas estradas rurais.

Como era de esperar, lá estava a placa que eu li a respeito: as palavras originais, "Centro De Pesquisa Climática Gwynedd" estavam pouco visíveis através da camada enfraquecida de tinta preta que foi aplicada sobre a placa. No lugar dessas palavras havia sido simplesmente escrito "fim".

Passando esse belo exterior, eu passei por um espaço apertado, onde as cercas vivas cresciam altas e embaraçadas com ervas daninhas. Não me refiro a apertado como "ah, vai ser complicado se eu encontrar outro carro vindo na direção oposta". Me refiro de algo do tipo "trinque seus dentes durante todo o caminho porque você vai ouvir os arbustos arranhando os lados do seu carro". O pavimento da estrada virou brita, e então fez um ângulo para cima, extremamente agudo. Meus pneus começaram a derrapar, os mecanismos interiores rangeram dolorosamente, e ficou claro rapidamente que eu não iria conseguir subir. Eu dei ré na curta distância que eu consegui cobrir e estacionei, pegando meu laptop e colocando a Maglite de meu pai no bolso. Era uma manhã cinza, e eu não sabia qual seria o estado das luzes do prédio. Abotoando minha jaqueta, eu subi a colina.

A porta não estava trancada, mas eu decidi esquadrinhar o perímetro. Estava exatamente como no post online original: janelas tapadas, nenhum poste de luz ou telefone alimentando o prédio e uma carcaça exterior coberta quase que completamente por grafites. Nenhum veículo estava à vista, e as câmeras de segurança estavam mortas em suas gaiolas. Bom o bastante para mim.

O interior estava escuro, como eu previ. Acendi a Maglite, e deixei que iluminasse as paredes encardidas e o chão poeirento. Estranho que estivesse tudo tão intocado, qualquer um pensaria que isso fosse o paraíso de um vândalo, ou pelo menos entulhado de agulhas usadas e embalagens de camisinhas, como a maior parte de prédios abandonados costuma ser. O grafite ainda estava lá, mas parecia mais "hesitante". Estava muito espaçado e sem força, quanto mais para dentro do corredor eu ia. Finalmente acabou alguns passos de distância da mesa da recepção. Os adolescentes locais tinham obviamente perdido a coragem.

Achei a caixa de fusíveis atrás da mesa e acionei algumas das chaves de maneira experimental. Nada aconteceu. Se os fusíveis estavam todos queimados ou se não havia energia em absoluto, eu não sabia, mas eu definitivamente não tinha a capcidade de consertar isso. O email que eu recebi sobre o assunto me disse para não me preocupar com a eletricidade, mas (e pode me chamar de covarde se quiser) tendo que escolher entre luzes e me enveredar por um prédio isolado e escuro por minha conta, eu preferiria a primeira opção.

Após subir uma escada para o andar seguinte, eu consegui alguma luz. As janelas não estavam cobertas, e grandes raios de sol haviam passado pelas molduras vazias. A única coisa "assustadora" sobre esse lugar era o quão organizado estava. Sim, uma grossa camada de poeira cobria tudo, e quaisquer móveis que ainda estivessem lá estavam empilhados em um canto, mas não havia qualquer sinal de pertubação humana. O tipo de lugar que um explorador urbano mataria para encontrar, sem dúvidas. Eu quase senti como se não fosse bem vindo ali. O melhor exemplo que posso encontrar de algo do tipo é quando você chega muito tarde para a aula na escola. Sabe quando todo mundo se vira para olhar pra você e você sente como se não fosse bem vindo? Pois é, eu estava com a mesma sensação no meu estômago quando encontrei aquele lugar.

Era basicamente como o email havia descrito: um grande, amplo escritório, com marcas no chão e teto onde os cubículos uma vez estiveram, e uma grande quantidade de cadeiras de escritório largadas em um canto. Havia apenas uma mesa no escritório: empurrada contra uma parede distante. Conforme eu me aproximei, percebi que eastava completamente livre de poeira.

Eu tirei o laptop da minha bolsa e coloquei na mesa. Era uma porcaria de laptop barato modelo 2000, que eu comprei online por mais ou menos £30, reformatei e instalei apenas as funções básicas. Foi especificamente para a excursão: eu não ia arriscar minha máquina de uso pessoal em uma história interessante que eu li na internet.

Uma vez que estava tudo ligado, eu peguei o cabo de internet. Era um velho e cinza: o tipo que você atribui a tons dial-up e pais reclamando por você estar ocupando a linha telefônica. Uma ponta foi para o notebook, e eu passei a outra por trás da mesa, me agachando sob ela, e encontrando a entrada do cabo de internet. Meus dedos perceberam um cabo já conectado, e eu o removi e substituí pelo meu. Quando eu me ergui, notei que o cabo que eu removi estava partido: como se a outra metade tivesse sido removida tão abruptamente que o plástico tivesse partido e os cabos no interior também. Ainda tenho esse resto de cabo no meu escritório, na verdade.

Nada aconteceu. Nenhum ícone apareceu anunciando que eu havia conseguido me conectar à rede, e o pequeno símbolo de força de sinal no canto inferior direito da tela insistia que eu não estava online. Confuso, eu chequei a versão impressa do email. Nenhuma menção a isso. Talvez a falta de eletricidade fosse um problema, ao contrário das informações que me foram passadas.

Eu abri o CMD e tentei mandar um ping. Um ping, a propósito, é um tipo de mensagem que o computador envia, para testar a conexão. Ou ela volta, ou recebe uma resposta de outras máquinas e servidores na mesma rede que você. Para minha surpresa, eu recebi duas ou três respostas automáticas. Estava online, sem dúvidas.

O próximo passo era a internet. Minha homepage estava configurada para ser o Google, mas estranhamente, o programa passou uns bons 10 minutos em uma página em branco, antes de me redirecionar para outro site de buscas. Era similar ao Google em seu minimalismo; plano de fundo branco com uma barra de texto central, mas o endereço era:

"www.patriotsearch.com". Em lugar do logo do Google, havia uma simples imagem, no estilo rascunho, de um soldado com semblante estóico, segurando uma bandeira britânica em uma mão e uma americana na outra. As palavras "Semper Fidelis" estavam marcadas em seu capacete. Eu tentei abrir o Youtube, mas a página deu um erro 404 por alguns instantes antes de me redirecionar para o site patriotsearch novamente. Minha boca secou após eu clicar na opção de busca, e fui para o site da BBC News. Esse, aparentemente, ainda estava online.

Conforme eu li as manchetes, quaisquer dúvidas que eu ainda tivesse rapidamente se apagaram.

"A Segunda Guerra Civil Americana cresce em tamanho e intensidade."

"Tropas americanas são relocadas do Afeganistão, Egito e Turquia para defender o solo de origem."

"França e Espanha estão abaladas após terroristas detonarem um dispositivo termonuclear em suas fronteiras."

"A polícia no texas circula imagens de homens que, acredita-se, são responsáveis pelo sequestro e morte de mais de cinquenta mulheres desde 2008."

"Proibição de porte de armas deve se tornar lei em todo território americano após o atentado na Casa Branca na última semana."

"EUA e Reino Unido permitirão que Austrália e Canadá se juntem à 'Aliança Patriótica'."

"Terroristas do Reino Unido continuam assassinatos nas cidades fronteiriças; exigem a independência da Escócia."

"Físicos Teóricos da Alemanha são presos por agentes americanos, sob acusação de traição. Pesquisa de universos alternativos e viagem interdimensional entre os itens confiscados."

Eu me sentei, coloquei um cigarro em minha boca e o acendi. Eu não tinha a menor idéia do que eu havia encontrado, e ainda não tenho, mas era grande. Uma espécie de Realidade Alternativa? Notícias do futuro? Era grande demais para ser um truque. Enfim, como o email havia me dito, essa "outra internet" era uma espécie de sobreposição entre o nosso mundo e um outro. Eu voltei para o site patriotsearch e comecei a digitar tudo que veio a minha mente: "Olimpíadas", "Facebook", "Ato de Direitos Humanos", "poderes da polícia", "atual mapa do mundo".

Devagar mas sem dúvidas, uma imagem começou a se formar. Uma imagem do mundo além do meu laptop, e do pequeno cordão umbilical que era o cabo. Eu era um homem cego, sentindo o caminho através de uma caverna, pedaço por pedaço. Quanto mais eu lia, mais assustado eu ficava. Muita coisa ruim havia acontecido. Eu não tenho o tempo ou a paciência para listar tudo que havia lá. Você não pode esperar que eu descreva toda uma timeline alternativa, mas eu vou dar alguns exemplos: a polícia nos EUA e no Reino Unido estava sendo gradualmente apagada, e o exército estava tomando seu lugar. Pelo que pude absorver, os únicos crimes propriamente investigados eram traição e fraude, permitindo que todos os assassinos e pervertidos fossem livres para fazer o que quisessem. Alguns até mesmo ganharam cultos de fãs. Eu encontrei um site dedicado a alguém chamado "Dockyard Butcher". Tinha uma galria de imagens e vídeos na barra lateral, e as coisas que eu vi me deixaram nauseado. O mundo estava superpopulado, mas não apenas como o nosso: eu não estou exagerando. Londres estava cheia de favelas: o tipo de coisa que você não esperaria encontrar fora de um país de terceiro mundo. Havia tanta informação para absorver, que eu provavelmente estou esquecendo boa parte conforme escrevo...

Ah, e algo aconteceu com Nova Iorque. Haviam muitos registros sobre ela, datando até o fim dos anos 90, mas então eles simplesmente pararam, como se nunca houvessem existido. Eu não consegui encontrar essa cidade em nenhum mapa. Nenhuma discussão em fóruns públicos. Não sei se foi um exemplo isolado ou se houveram outras cidades que deixaram de existir, mas se alguém quiser investigar, é algo interessante para pesquisar. Eu realmente...

... Eu realmente aconselho que você não o faça, no entanto.

Um "bleep" me assustou. Eu deixei a janela do CMD aberta após testar minha conexão. Estava me notificando a respeito de um "ping". Eu abri a janela, e, sem dúvidas, eu havia recebido um ping. Momentos depois, um outro ping apareceu na janela. Uma diferente fonte, no entanto: o endereço I.P. estava listado sob a notificação. Até onde se sabe, esse prédio era o único conectado à "Rede", então esses pings não haviam vindo desse lado. Conforme eu tentava entender o que estava acontecendo, um terceiro ping apareceu. Algo clicou em minha cabeça, e eu senti meu estômago revirar. Eu havia olhado para o desconhecido, e agora o desconhecido estava olhando de volta. Pessoas desse "outro mundo" haviam percebido minha tola investigação, e estavam, agora, nos investigando.

Foi aí que meu laptop ficou completamente insano. O mouse parou de responder a meu uso: na verdade, o ponteiro sumiu completamente da tela. O navegador travou, e então me levou a um outro site: uma página em branco que abriu quase instantaneamente. Um arquivo começou a carregar na máquina: seu ícone era um globo ocular pálido e sem pupila, e seu nome um espaço em branco. Embora eu não estivesse particularmente preocupado com o bem estar do laptop, a mera idéia de algo desse "outro lugar" forçar sua entrada em minha realidade era terrível. Eu caí de joelhos e exatamente quando o download chegou a 75%, eu arranquei o cabo da parede. Um alto som de estática saiu das caixas de som, e a barra de download congelou na tela.

Eu derrubei meu cigarro na pressa, então, me sentei, acendi outro, e olhei para a entrada do cabo na parede: arranhada e levemente deformada devido à minha brusca saída do mundo que existia além dela.

Eu não tenho idéia de para que o programa em forma de olho servia, e não tentei descobrir. Eu desmontei o laptop ali mesmo, e cuidadosamente esmaguei cada peça sob o solado do meu sapato. Tudo que restou do interior do notebook é uma confusão de pedaços de plástico verde e metal retorcido.

Quanto ao que o futuro guarda para o velho prédio de Pesquisa Climática: eu não tenho idéia. O conselho de Gwynedd vem falando sobre demoli-lo há anos, e talvez um dia eles façam isso. Serei honesto: quando esse prédio não for nada além de entulho e cinzas, não lamentarei sua perda. Até lá, a entrada de internet, essa pequena janela para o desconhecido, ainda estará lá. Se você quer tanto investigar, não posso impedi-lo. Ainda asism, é óbvio que qualquer mundo que A Rede represente é uma sombra cruel e maliciosa da nossa. Apenas um alerta para qualquer outro de vocês que queiram brincar de pioneiros: se eles tentarem fazer contato, ignorem, e se eles tentarem forçar entrada, neguem.

Cientistas acreditam que, se universos alternativos existem, então seria praticamente impossível transferir objetos físicos de um para outro. Mas informação consiste apenas de impulsos elétricos, energia, portanto uma força que pode ser trocada entre duas "realidades" simplesmete abre caminho para outros, bem menos desejáveis visitantes. Acredito que quaisquer possibilidades que a Outra Rede tenha para nós são superadas pelos riscos. Porque o que se encontra atrás do véu não é um monstro ou demônio, mas sim uma humanidade fria e odiosa. Ela sabe com pensamos, e sabe que voltaremos. Se nada disso te desencorajou, então por favor, por favor tenha cuidado.

14 comentários:

  1. 7/10 Final meio previsível e clichê já postaram uma creepy assim aqui
    Obs : Já acompanho o site desde 2015 mas só agora comentei

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  2. Eu vou fazer isso e vou deixar eles entrarem!

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  3. Muito foda. Uma das melhores que eu já li.

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  4. Bacana, nada de tão especial, mas criativa e com um bom fluxo, 7/10

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  5. Ultimamente eu leio os comentários antes da creepy, para não passar raiva.

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  6. Acho muito da hora essas creepys de tecnologia, falha na Matrix... Top...

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