22/05/2018

O Corvo

Todos os dias eu ia e vinha a pé do meu serviço, não fazia muita diferença mesmo, o mercado ficava poucas quadras da minha casa. Minha cidade não era das maiores, não tinha muito além do centro da cidade onde eu vivia, então geralmente as pessoas iam para as outras cidades quando procuravam diversão. Mas ainda sim havia uma coisa bem interessante lá, uma praça, cheia de árvores e bancos, e até os mendigos que viviam por lá eram bacanas, usavam ternos velhos e viviam alimentando os pássaros, eu sempre passava por dentro da praça, mesmo sendo o caminho mais longo, valia a pena por causa da vista deslumbrante que eu tinha.

Um certo dia não muito diferente dos outros, eu estava cruzando a praça como de costume e olhando para os galhos das árvores, admirando os raios de Sol de fim de tarde que atravessavam as folhas, quando eu avisto um corvo.

Nunca tinha visto um corvo antes, apenas na televisão, mas sei que eles não são comuns nesta região, na verdade eu não deveria ver se quer um corvo nessa parte do país. De cara fiquei espantado, mas sua beleza era tanta que apenas me deixei levar e me sentei um pouco para admirá-lo, “deve ter fugido de alguma casa” pensei, já que haviam casas de família bem antigas e um tanto ricas por perto.

Lembrei então que precisava fazer a janta que havia prometido, levantei então e fui correndo para casa, eu morava com meu irmão mais novo. Ele trabalhava na área de marketing e vendas de uma empresa, então as vezes passava alguns dias fora, e como ele ia chegar depois de quatro dias fora, decidi fazer algo para nós comermos enquanto ele me contava de sua viajem.

Depois daquela noite inteira de conversa com meu irmão, eu havia me esquecido completamente do meu encontro com o corvo na praça da cidade. De madrugada, acordei com algumas batidas na janela, mas peguei logo no sono, sem dar muita atenção. De manhã fui acordado pelo meu pontual despertador como já estava acostumado, quando abri minha cortina, encontrei uma pequena pedra do lado de fora da janela, de primeira, me perguntei quem a teria colocado ali, mas como não havia acordado direito, apenas a deixei onde estava e fui me arrumar.

Depois de mais um longo dia de trabalho eu mais uma vez atravesso minha adorada praça em direção a minha casa, e mais uma vez ele estava lá, me encarando, o corvo. Seus olhos negros pareciam me hipnotizar... de repente eu ouço um barulho estranho ao longe, mas era apenas um mendigo jogando alguns farelos para os pássaros, quando volto meus olhos para o galho a minha frente, ele havia sumido.

Na mesma noite, eu sou acordado por estranhas batidas, como se alguém estisse batendo em alguma coisa de vidro. Mas como o sono era muito, volto a

dormir. No outro dia, fico surpreso ao encontrar mais uma pedrinha na borda da minha janela, mas resolvo deixar para lá.

Quando estava indo para o serviço, me surpreendo ao ver o corvo parado no galho de um carvalho, em uma parte bem escura da copa, acabei parando para admirar seus olhos através das sombras do velho carvalho da praça.

De repente, sou surpreendido por um homem que coloca uma faca na minha barriga e pede minha mochila. Eu senti um arrepio enorme, e com um pouco de medo do assaltante tanto por eu ser mais baixo quanto por ele ser um tanto alto, acabei deixando ele levar, e por poucos segundos, vejo um pedaço do rosto dele ao me virar para entregar a mochila.

Quando volto minha atenção para o a árvore, o corvo já não estava mais lá...

Tive que ir direto a delegacia registrar uma ocorrência para poder pedir ao meu gerente mais um uniforme, o que ele não gostou muito, mas acabou me dando por obrigação.

E tudo continuou na minha nova rotina, ver o corvo na praça, acordar de madrugaga e ver a pedra na janela de manhã... estava começando a me acostumar com aquilo tudo, por mais estranho que parecesse, eu gostava dos meus encontros com o corvo, se é que se pode chamar aquilo de encontro. Eu o observava até algo me tirar a atenção e ele sumir.

De noite eu tive um sonho estranho com o corvo, ele me olhava friamente em cima da minha coberta enquanto uma batida forte de alguma coisa contra vidro ecoava pelo quarto. Acordo assustado no outro dia e vou tomar café com meu irmão que reclama do meu mau hálito,

Antes de sair para mais um dia de trabalho, recolhi o jornal da cidade que meu irmão assina, estava na porta como de costume, e por algum motivo, resolvo dar uma olhada na primeira página. Fiquei chocado e até mesmo deixando o jornal cair ao ver o que estava na capa do jornal local... o homem que havia me assaltado havia sido encontrado morto na praça com os olhos arrancados. A polícia não havia descoberto como aquilo havia acontecido, mas estava investigando se havia sido um caso de homicídio por dívida de drogas ou algo do gênero. Junto com ele estava a minha mochila roubada que fora citada como minha por causa de meus documentos e uniforme.

Antes de ir para o serviço, passo na delegacia para recuperar a minha mochila roubada e então vou para o serviço. Sou chingado por meu chefe mais uma vez por chegar atrasado, mas ele acaba relevando por não precisar fazer um uniforme novo para mim.

Na saída, questiono meu chefe sobre o pagamento de minhas várias horas extras, mas ele dizia que como gerente, só poderia me pagar quando

recebesse dinheiro da matriz, “Mas do que você está falando? Não existem filiais deste mercado!” mas ele acaba me dando as costas e entrando em seu carro. Eu estava muito furioso, pois precisava pagar as prestações do meu carro, então acabo chutando o seu carro de raiva sem pensar no que estava fazendo, só volto para o planeta terra quando ouço sua voz me de dizendo “está despedido” e seu carro arrancando do estacionamento.

Caio de joelhos no chão, com um certo desespero e derramo algumas lágrimas, estava exausto de tanto trabalhar, e agora desempregado... quando me levanto, olho diretamente para o poste que estava a poucos metros de mim, no seu topo, havia um corvo me observando. Respiro fundo e vou para casa, desta vez tomo o caminho mais curto, resolvendo não passar pela praça, queria apenas chegar em casa.

Pensei naqueles olhos negros a noite inteira... aquelas pequenas esferas negras estavam na minha cabeça e nos meus sonhos agora. Quando amanheceu, ao lado do jornal de meu irmão, estava uma pena negra. Obviamente, não resisti em ler o jornal local, e para minha surpresa, na primeira página havia um acidente de transito catastrófico, parece que a vítima ficou quase irreconhecível, mas a placa do carro pertencia ao dono de um mercado chamado “J & J Mart”... era o mercado que eu trabalhava...

Depois daquilo, as coisas pareciam melhorar... o filho do dono assumiu o mercado, comecei a ganhar o meu salário em dia, tive dinheiro para sair e tudo o mais, e todos os dias eu passava pela praça para me sentar de frente ao corvo.

Na minha casa as coisas também iam bem, meu irmão estava namorando uma garota da empresa onde ele trabalhava e começou a levar ela para casa para jantar.

A praça também ficou um pouco diferente depois da chegada de um novo mendigo, mas diferento dos outros, esse era sujo, com roupas completamente esfarrapadas e parecia estar sempre bêbado ou drogado, o que não agradou muito os outro mendigos que viviam apenas alimentando os pombos ou comendo alguma pipoca que ganhavam de uma senhora.

Algumas pessoas começaram a dar a volta na praça para não precisar cruzar com esse novo mendigo que vivia pedindo esmolas com uma garrafa de vodka vagabunda na mão e com um odor terrível de urina. Aquilo começou a me perturbar muito, já que meus encontros com o corvo estavam ficando cada vez mais curtos graças àquele maldito mendigo.

Como meu salário não estava mais atrasando e meu irmão quase não comia mais em casa, sobrava mais dinheiro para eu gastar comigo, então comecei a comprar algumas roupas de marca.

Isso obviamente chamou a atenção do mendigo. Logo ele começou a me importunar pedindo esmolas e até mesmo sentando do meu lado. Aquilo já estava indo longe de mais. Será que ele não entendia que eu não queria bancar o álcool e as drogas dele?

Até que um dia, após eu sofrer um stress com uma cliente do supermercado, decidi comer uma pipoca na praça olhando para meu amigo corvo. E para a minha surpresa, o corvo não estava lá. Me sentei triste, olhando para a pipoca e me perguntando o que teria acontecido com o corvo. Será que mais alguém sentiu a sua falta? Ou pior, será que seu dono passou por aqui e o achou?

De repente escuto um grunido estranho, quando olho para trás o mendido bêbedo estava vomitando em um arbursto, a cena nojenta me fez levantar e sair dali. Mas ele me seguiu gritando “ei mauricinho, me dá uma grana!”, eu corri com medo de ele possuir uma faca ou algo do tipo.

Por incrível que pareça, apesar de bêbado, ele corria muito rápido a ponto de conseguir me alcançar, quando ele encostou em mim, dei um empurrão nele que o fez cair no chão. Me afasto do lugar, algumas pessoas vieram ver o que estava acontecendo, mas eu logo saio da praça e vou em direção à minha casa, “e seu eu matei o mendigo? E se ele caiu com a cabeça no chão? Eu não fiquei para ver a cena... bom, acho que ninguém vai ligar se aquele mendigo morrer mesmo” passei a noite pensando no ocorrido, mas é claro, sonho com o corvo e as batidas...

Apesar da minha nova rotina, eu decido não ler o jornal hoje, com medo do que eu pudesse ler. Nem se quer olha na janela se havia mais uma pedra. Vou direto para o serviço, mais um dia normal. Decido não passar pela praça, tenho medo de descobrir se o corvo havia ou não voltado e se o mendigo estava ou não vivo.

Mas na volta, esqueço e acabo passando pela praça, para meu espanto, havia policiais em volta de um corpo. Era o mendigo, dilacerado. Meu único alívio é que ele não havia morrido com meu empurrão. Mas o que poderia ter o matado daquela forma tão terrível? O cheiro podre de suas víceras impregnava a praça que estava praticamente vazia, não fosse pelos policiais e o corvo. Corpo. Corvo. Corvo? O corvo estava em cima da cabeça do homem, como os policias não toram?

Ele olhava para mim como se estivesse pronto para me matar. Aquela cabeça de penas negras e reluzentes, aqueles olhos penetrantes. Aquilo pela primeira vez me apavorava.

O corpo com a roupa rasgada e o peito aberto com as entranhas de fora, o buraco do olhos estava negro e cheio de veias saltadas para fora, a boca

estava aperta com a mandíbula quebrada e um fio de sangue seco escorrendo pelo lado e pelos comentários dos policiais, a língua também havia sumido.

Eu corri para minha casa o mais rápido possível. Meu irmão para variar não estava em casa, logo hoje que eu precisava dele.

Não consigo comer ou beber nada. Fico horas em baixo do chuveiro. Até que ouço o barulho de um porta batendo, era o meu irmão.

Me visto e vou para baixo confrontá-lo, como ele podia me deixar sozinho em uma situação como essa?

Ele me questiona como poderia saber que algo assim havia acontecido, mas é claro que eu revido dizendo que ele nunca mais havia ficado comigo em casa depois que ele arrumou aquela namorada.

“Você tá viajando cara, tá precisando de um sono” ele disse. Eu fico de cara com ele, mas vou dormir mesmo assim.

Esse sonho pareceu o mais perturbador, o corvo estava encima do corpo, comendo as víceras dele. Ele rasgou as suas roupas com as unhas e agora arranhava e bicava a barriga até abri-la, então começava a puxar seu intestino para fora e comer alguns órgãos internos.

Seus olhos já estavam arrancados e sua língua estava ao lado do rosto.

O corvo então deixa o corpo, da mesma forma que ele estava quando o encontrei, o corvo então pega a língua e voa.

Eu acordo assustado e tremendo. Levanto rápido e vou tomar banho. Precisava muito desparecer a cabeça. Mas por mais que eu tentasse fazer qualquer coisa para eu não parava de lembrar daquela cena terrível.

Deço as escadas e encontro meu irmão na cozinha. Eu estranho, já que ele geralmente passava mais tempo agora com sua namorada do que em casa.

“O que está fazendo aqui?” questiono a ele.

“Bom dia para você também irmão.”

“Bom dia, mas... o que está fazendo aqui a essa hora?”

“Hoje eu tirei o dia e folga, preciso fazer uma visita.”

“Visita?”

“Sim, eu não contei? Eu e minha namorada vamos alugar o apartamento para nós.”

“Não você não disse nada, você não conta mais nada para mim, você só que saber dela.”

“Calma maninho, você deveria estar feliz que seu irmãozinho se engajou na vida.”

“E eu como fico nessa história?”

“Ué você deveria arrumar uma garota, sair um pouco de casa, transar um pouco, vai fazer bem para você.”

Eu pego minha mochila e e vou em direção a porta. “Cara... na boa, você tá fazendo birra” bato a porta na cara do meu irmão e o deixo falando sozinho.

Eu não podia acreditar que ele ia fazer aquilo comigo. E era tudo culpa daquila maldita namorada.

O meu trabalho monótono já estava cada dia passando mais devagar, eu não aguentava mais contar as horas para sair daquele maldito inferno de uma vez. O fim da tarde era um alívio, onde eu trocava de roupa e ia para a praça ver meu único amigo. Será que ele estaria lá?

Quando chego na praça, sento no banco de costume e me sento. E lá estava ele, no galho do carvalho escuro. Como se nada houvesse acontecido. E eu fico. E eu espero. Até que percebo que a tarde está quase por ir embora, então me levando e vou embora.

Não vejo meu irmão em casa.

A noite foi tranquila, sem sonhos, apenas as batidas na janela.

Mas a semana ainda pioraria. Meu irmão comessa a encaixotar suas coisas.

Quando eu me dei conta dos dias que passaram, não havia mais uma coisa que pertencesse a ele dentro de casa. Se quer um casaco no cabide, uma coberta na cama ou uma meia no armário. Apenas nossas fotos juntos para que eu lembrasse do seu rosto continuaram mantidas nas prateleiras da sala.

Os meus dias agora seriam cada vez piores.

Eu agora não teria mais ninguém, mesmo as poucas visões que eu tinha dele no dia ainda me mantinham um pouco alegre, as poucas palavras que eu trocava com ele me animavam e sentir seu cheiro, seu calou me enriquecia.

Era meu único bem, meu irmãozinho, que se criou comigo desde sempre, o garotinho da qual as travessuras em encobria, os machucados eu tratava e as notas baixas e remediava... não fazia sentido ele me abandonar.

E naquela noite, após a mudança, o corvo em meus sonhos veio a me assombrar.

O corvo estava em cima de um poste, a noite era muito escura e garoáva e apenas aquela luz amarelada do posto iluminada aquele grande pedaço de rua.

Uma outra luz agora surgia no fim da rua, era o farol de uma moto.

A moto se aproximava cada vez mais e quando estava quase em frente ao poste o corvo levantou voo e foi em direção a moto e soltou um terrível grunido que fez com que quem pilotava a moto se perdesse e virasse-a esbarrando no meio-fio e sendo jogada para longe. A pessoa havia havia caído de maneira extremamente brusca, tanto que ao bater o capacete no chão, seu corpo não acompanho a cabeça e o pescoço dobrou.

Eu acordo atordido com a cena. Afinal o que havia acontecido? Eu já mais havia visto uma cena tão completa como essa em sono. Quem era aquela pessoa?

Eram muitas perguntas para nenhuma resposta.

Eu apenas me banho e vou para o serviço. Fico na praça até muito próximo da noite, então volto para casa.

Chegando lá eu vejo um carro, era o do meu irmão. Mas o que ele estaria fazendo ali a essa hora?

Eu abro a porta e ele está sentado, com rios de lágrimas em seus olhos. Ele se levanta e começa a gritar.

“Onde está seu telefone??”

“Eu devo ter esquecido em casa, por quê?”

Ele então corre e me abraça.

“Ela morreu... mano, ela morreu ontem! Vindo para casa.”

Meu corpo inteiro treme.

“Como... como isso aconteceu?”

“Ela estava voltando do trabalho como sempre, então ela sofreu um acidente, ninguém sabe ao certo porque, mas a pericia disse que não há indícios de batida, ela pode ter apenas dormido.”

“Batida? Ela estava de carro?”

“Não, ela vai para o trabalho de moto.”

Meu corpo congela, meu rosto agora estava tomado de pavor, eu não sabia o que dizer, eu não sabia como agir.. eu não sabia de mais nada. Aquilo simplesmente não podia estar acontecendo, não era lógico, não era normal, não podia ser verdade...

Me sento com ele e tento o consolar.

No outro dia, pesso folga e vou ao velório de minha cunhada.

Todos estão de preto, há cerca de trinta pessoas, algumas mulheres usam véu e choram na borda do caixão, típico de velório, meu irmão junto ao pai da garota cumprimentavam as pessoas e conversavam coisas do tipo “ela era uma pessoa boa, muito honesta”.

Foi muito mórbido, mas nada muito longe de um dia no meu trabalho.

Na hora de levar o caixão o pai dela falou para meu irmão que fazia questão que eu levasse uma das alças, não sei se era para aquilo parecer educado, mas eu não vejo nada de bom em carregar o peso da morte de alguém que eu esculachei até sua morte.

Quando chegamos no cemitério, aquela atmosfera apenas piorou, agora estávamos levando a namorada de meu irmão para baixo da terra... e eles jamais a veriam novamente... aquilo era muito estranho.

Enquanto o padre falava a borda do caixão prestes a ser posto abaixo do chão, meu irmão me abraçava de cabeça baixa e chorava com uma profunda tristeza no coração. Eu estava apenas acompanhando o padre, quando de repente tenho uma leve impressão de que alguém me observava.

Não poderia ser ninguém da família pois estava todos em roda a minha volta. Olho suavemente para trás, para que meu irmão não desconfiasse, já que estava com a cabeça em meu ombro. Mas não havia absolutamente nada.

Até que então eu olho para o caixão. Lá estava ele. Aquele quem me observava o tempo todo. O corvo... o corvo me fitava cruelmente com aqueles olhos negros. Por que ele estava ali?

Eu não sabia...

Depois do enterro, voltei com meu irmão para casa.

Tomamos banho e dei algo de comer para ele, apesar de negar diversas vezes, o covenci que precisava de forças.

Levei ele até o sofá para que olhassemos um pouco de televisão, eu estava sentado e ele deitado com a cabeça no meu colo, enquanto eu fazia carinhos em seus cabelos, me lembrou do tempo em que eramos menores e depois de ele apanhar dos nossos pais, eu ficava com ele nessa posição até que parasse

de chorar e finalmente pegasse no sono. Dessa vez não foi diferente, ficamos daquele jeito até que ele finalmente dorimu.

Eu queria que meu irmãozinho voltasse a morar comigo e agora não havia mesmo mais motivos para ele ficar longe de mim. Aquilo de certa forma me confortou. Eu dormi ali mesmo. Naquela noite dormi bem. Sem batidas, sem nada.

Quando eu acordei ele já havia levantado, estava sentado na mesa tomando café. Vou até ele e pergunto.

“Você vai querer ajuda com a mudança?”

“Que mudança?” ele faz uma cara de espantado.

“Ué, você não vai voltar para cá?”

“Desculpa irmão, mas eu prefiro continuar o que eu comecei, ela não gostaria de me ver acabar com tudo por causa dela, além do mais, lá estão minhas últimas lembraças com ela e...” eu o interrompo.

“Eu não acredito nisso. Eu fiz tudo por você! Te criei, cuidei de você, fiz tudo por você e agora você me abandona!”

“Irmão, você tem que entender que eu já cresci, não sou mais uma criança, você precisa aprender a viver sem mim.”

“Sai daqui agora! Saia, saia da minha casa.”

“Calma, por favor...”

“Não, saia daqui.”

Ele se levanta aturdido, e vai embora.

O que eu acabei de fazer?

Me sento no sofá e fico a manhã inteira sentado ouvindo as batidas vindo da janela do meu quarto.

Lembro que não fui trabalhar. Mas eu não ligo, eu não ligo.

Me levanto e vou para a minha cama, tomo um remédio para dormir e me deito, nem percebi quando caí no sono, mas logo estava dormindo.

Mais uma vez eu sonho... com aquele maldito corvo. Ele estava na minha rua, segurava uma corda com seu bico, então ele voa... para longe, muito longe, até a janela de um prédio.

Lá dentro havia um homem deitado, o corvo abre a janela e vai até em cima dele, colocando a corda em seu pescoço e o levantando no ar. O homem se debatia e sufocava, seu rosto agora estava roxo, suando e com a língua para fora, então, parou.

Eu acordo com o telefone tocando, já era de manhã cedo.

Me levanto e vou em direção ao telefone residencial na sala.

“Alô, você... era o cunhado da minha não era?”

“Alô? Quem está falando?”

“Sabe, eu vim visitar o seu irmão hoje de manhã, para saber como ele estava... a perda de uma filha é uma dor simplesmente incurável, mas a perda de um amor também não é nada fácil, então eu vim ver como ele estava...”

“O que o senhor quer?”

“Então, acontece que eu vim ver como ele estava se sentindo, se gostaria de passar uns dias fora para desparecer a cabeça mas...”

“Diga logo!”

“Acontece que ele não soube lidar muito bem com a morte... e resolveu abraçá-la também...”

Entro em choque no telefone.

“Do que você está falando?!”

“O seu irmão, tirou sua prórpia vida nesa madrugada, a polícia já está aqui, fazem algumas horas já que o corpo dele perdeu a vida.”

Não podia ser verdade, não era, era tudo mentira!

Eu saio correndo rua a fora, enlouquecido, meu irmão havia me deixado seu endereço caso um dia eu quisesse visitá-lo, mas eu nem se quer vi aquele bilhete.

Quando me dou conta, estou próximo a praça, resolvo sentar ali.

O corvo me observava, como em qualquer outro dia.

Ponho as mãos no rosto, incrédulo da notícia que eu acabara de receber...

Então quer dizer que aquele homem no sonho era meu irmão? Afinal quem diabos é esse corvo? Seria um... mensageiro da morte...? Agora tudo fazia sentido, esse animal diabólico, esse agouro alada era um mensageiro da morte que me perseguia

“POR QUÊ?” todos que estavam na praça olham para mim desconfiados.

Mas o corvo continuava ali, imóvel. O que ele queria de mim?

Ponho a mão no meu bolso para pegar o celular e um papel cai no chão. Eu o junto, era o endereço de meu irmão, sem pensar duas vezes levanto e corro para seu apartamento. Quando chego lá está cheio de policiais, explico que sou seu irmão, então ele me deixam ver seu corpo, estava com uma aparência terrível.

Não ouso descrevê-la.

Até mesmo porque não aguentei muito tempo a observando.

Não aguento se quer ficar muito tempo na cena, sou obrigado a deixá-lo ali e sair correndo para casa para não desmaiar.

Quando eu chego em casa, tranco a porta e fecho todas as janelas e cortinas. Precisava beber algo. Me sirvo de whisky, e paro próximo a mesinha do telefone, escorado na parede. Eu olho fixamente para o telefone, tiro o papel do meu bolso. O telefone do meu irmão estava atrás do endereço.

Espera aí... esse papel, com o número do meu irmão... estava ao lado do telefone o tempo todo. Como foi parar no meu bolso?

Deixo o papel cair e vou em direção ao meu quarto com o whisky na mão.

Abro a cortina depois de muito tempo. Haviam apenas quatro seixos. Mas as batidas estavam lá toda noite. Por que só teriam quatro seixos?

Me sento na cama e continuo a beber. Precisava beber para esquecer. De repente tudo começou a girar a minha volta. Devia ser o alto teor alcoólico do whisky. Tiro meus tênis e me deito. Precisava mais do que nunca dormir.

Eu sonho novamente. Eu estava observando o banco da praça. O mesmo banco que eu sentava todos os dias. Então eu vou até um buraco de esquilos no carvalho e cato algo lá dentro, era uma coisa seca e estranha. Parecia até... uma lígua.

Eu a coloco dentro de um saco preto de pano, dentro dele havia mais alguma coisa de metal brilhante que eu não soube reconhecer. Então eu fecho o saco e o levo, levo até o cemitério, atrás da cova do meu antigo chefe. Mas que diabos eu estava fazendo.

Depois daquilo eu volto para a minha casa, bato na janela várias vezes, então deposito mais um seixo junto aos outros quatro.

Eu tento olhar para dentro do meu quarto, geralmente a cortina ficava fechada, mas hoje não, na tentativa de ver o interior do meu quarto acabo olhando meu

próprio reflexo no vidro da janela, então me acordo com o berro grunido e esganiçado do corvo. Eu era o corvo.

Me levanto rápido da cama. Minha cabeça ainda estava pesada por causa da bebida, mas eu precisava tirar aquela história a limpo.

Coloco meus tênis e um casaco e vou até o cemitério. Encontro a sepultura do antigo dono do mercado. Atrás de sua lápide estava... um saco preto. Dentro havia uma língua já seca e uma faca suja de sangue.

Eu olho em volta, em busca do corvo. Nada.

Corro até a praça, nada.

Volto para minha casa, olho pela janela, tentando enxergar o interior do meu quarto. Cinco seixos na janela. Pego um dele e bato na janela, o som é familiar. Na tentativa de tentar ver mais, enxergo meu reflexo, meus olhos são negros como a noite.

Eu sou o corvo.

O meu chefe precisava morrer.

É parado pelo corvo.

O mendigo precisava morrer.

É comido pelo corvo.

A minha cunhada precisava morrer.

Desvia do corvo...

Meu irmão não podia mais morrer...

Foi abençoado pelo corvo...

E agora.

Quem mais está a minha volta?

Eu não preciso de mais nada.

Eu não tenho mais ninguém.

Eu engulo os cinco seixos de uma só vez.

E sufoco.

Criatura imunda é, o corvo, ele precisa morrer, ele é um mau agouro.

Eu. Sou. O. Corvo.

Autor: Guilherme Vaz Antunes

11 comentários:

  1. Parabéns pela história! Muito boa. Mas presta atenção nos erros de português e de formatação. Tem mta coisa errada que atrapalha a leitura e a experiencia. Mas de forma geral ficou mto bom!

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  2. Deixou alguns errinhos que não dava para entender, mas gostei mesmo assim

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  3. O enredo e argumento é bem interessante. Se puder revisar melhor a escrita na proxima, ficará impecável.

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  4. Caraio mano parabéns. Apesar dos errinhos, o conto prende do começo ao fim. Adorei.

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  5. Foda,muito foda,será que ele sempre sonhava que ele era o corvo mas não lembrava?E nesse dia em específico ele lembrou pq ele morreu?

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  6. foda, cara
    o mano podia aproveitar mais os dons né, se eu fosse o corvo o temer tava fudido

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  7. Nossa... De quatro anos acompanhado o CPBR, essa foi a segunda creepy que me deixou apreensivo. Meus parabéns pela ótima história e pelo enredo incrível. Tirando pelos erros leves de ortografia e formatação, a creepy está perfeita! Meus parabéns.

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  8. Tem como baixar em PDF essas histórias?

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